Folha de S. Paulo


Governo de São Paulo cancelou contrato para forçar propina, diz delator

O dirigente de uma cooperativa investigada em um esquema de fraude em merenda escolar em São Paulo afirmou ao Ministério Público que a Secretaria da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) cancelou um contrato com a entidade para pressioná-lo a pagar propina.

Segundo Cássio Chebabi, ex-presidente da Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar) que fechou acordo de delação, a entidade venceu em 2013 uma chamada pública –sem licitação, como autoriza a lei em caso de agricultura familiar– para fornecer cerca de R$ 8 milhões em suco de laranja para merenda da rede estadual.

Após o início da produção da encomenda, a maior que a Coaf tinha, o governo cancelou o contrato, trazendo prejuízos à cooperativa, que precisou gastar para congelar a matéria-prima.

Foi quando, de acordo com o delator, um dos operadores do esquema, Marcel Ferreira Julio, disse ser ligado ao deputado Fernando Capez (PSDB), hoje presidente da Assembleia Legislativa, e ter poder de destravar o contrato. Era necessário fazer um "acordo" e pagar um percentual, o que Chebabi aceitou. O depoimento foi prestado no último dia 21 em Bebedouro (SP), onde fica a Coaf.

Conforme a Folha apurou, a versão é considerada factível pelo Ministério Público e está sob investigação. Em razão da menção a políticos com foro privilegiado, como Capez, a apuração sobre envolvimento de órgãos estaduais será feita pela Procuradoria-Geral de Justiça.

A Secretaria da Educação confirmou à reportagem que cancelou a chamada pública em setembro de 2013 e que fez uma nova no ano seguinte, vencida novamente pela Coaf (R$ 8,5 milhões) junto com a Coagrosol (R$ 3,6 milhões) –cooperativa que já era fornecedora do Estado. Sem explicar motivos do cancelamento da primeira chamada, a pasta disse que o segundo contrato foi mais vantajoso.

O esquema na merenda, que tem no centro a Coaf, foi desmontado na semana passada pela Operação Alba Branca.

Apontado como o lobista ligado aos contratos com o governo Alckmin, Marcel é filho do ex-deputado Leonel Julio. Ele ainda não se apresentou à Justiça.

O depoimento do ex-presidente da Coaf prosseguiu relatando que Marcel lhe contou que a antiga empresa fornecedora da Educação, a Citricardilli, havia pagado R$ 100 mil para o então secretário da pasta, Herman Voorwald, para ele não assinar o contrato com a Coaf e abrir uma nova chamada pública.

Outro investigado, o vendedor da Coaf Carlos Luciano Lopes, disse em depoimento que Capez pediu à Educação para abrir nova chamada e advertiu Voorwald para que a Coaf a vencesse.

O funcionário da cooperativa disse que, nesse contrato, foram pagos 10% de comissão, repassados a Marcel.

O promotor Leonardo Romanelli, do Gaeco de Ribeirão Preto, que atua na região de Bebedouro, criticou a divulgação dos nomes de deputados citados por investigados e disse que essa parte da apuração começará na próxima semana na Procuradoria-Geral de Justiça, em São Paulo.

OUTRO LADO

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo afirmou, em nota, que o contrato advindo da segunda chamada pública foi mais vantajoso que o da primeira. Questionada, não explicou o motivo técnico do cancelamento.

"A [segunda] chamada registrou redução no preço de 8,3% no valor para unidades de suco de laranja de 200 ml –saindo de R$ 1,56 para R$ 1,43– e de 1,61% nas unidades de 1 litro, saindo de R$ 6,20 para R$6,10", disse a secretaria.

"A Pasta segue a legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) criado pelo governo federal, que institui a inserção, na alimentação escolar, de 30% de alimentos cultivados e produzidos por meio da agricultura familiar e se mantém à disposição da Polícia Civil e do Ministério Público no que for necessário para dar sequencia às investigações."

A Folha não localizou Herman Voorwald ou Marcel Julio. Fernando Capez negou envolvimento no esquema.


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