Folha de S. Paulo


Réus da Operação Zelotes dizem estar sendo criminalizados por lobby

No primeiro dia de depoimentos de testemunhas de defesa da primeira ação aberta da Operação Zelotes, as defesas dos réus afirmaram que estão sendo processados porque atuaram como lobistas, atividade não regulamentada no país.

A audiência começou na manhã desta segunda-feira (25) na 10ª Vara Federal de Brasília e deve ouvir 17 pessoas, incluindo Gilberto Carvalho, ex-chefe do gabinete pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ex-ministro no governo Dilma Rousseff.

Chamada pela defesa do lobista Alexandre Paes dos Santos, a sua mulher, Maura Lúcia Montella de Carvalho classificou o processo movido pelo Ministério Público de "desserviço" e "agressão". Ela afirmou que "os lobistas são profissionais altamente especializados" e que "o lobby faz parte da economia, é uma das condições, uma das estruturas do mercado".

A mulher de Santos argumentou que os contratos assinados por lobistas têm "cifras muito altas" porque a intenção é "fidelizar aquele profissional".

"Ele [o lobista] trabalha um ano, mas fica mais 20 sem trabalhar para os concorrentes. Ele ganha pelo seu trabalho e pelo seu não trabalho", argumentou Maura Lúcia.

Chamado pela defesa de Francisco Mirto Florêncio da Silva, o jornalista Vicente Alessi Filho afirmou que o réu exerceu em Brasília, ao menos entre as décadas de 80 e 90, o trabalho de "lobby legítimo" em prol da Anfavea de São Paulo, associação que representa a indústria automotiva.

Alessi Filho foi assessor de imprensa da Anfavea entre 1987 e 1988. O objetivo de Mirto ao intimá-lo foi falar sobre seu comportamento passado, mas Alessi Filho reconheceu à Folha, em entrevista após o depoimento, que nada sabe sobre os fatos investigados na ação.

Segundo Alessi Filho, Mirto "fazia o lobby da indústria automobilística", assim como todos os 16 vice-presidentes da Anfavea, incluindo Mauro Marcondes, outro acusado na mesma ação penal.

Mauro Marcondes disse à Folha, no corredor da Justiça Federal, que o lobby está sendo "criminalizado" e isso seria "um desserviço ao Brasil".

Em novembro, o Ministério Público Federal acusou 16 pessoas por corrupção e lavagem de dinheiro por suposta "compra" de medidas provisórias para o setor automotivo. A denúncia inclui representantes da Mitsubishi e Hyundai. Dos acusados, seis estão na Penitenciária da Papuda. Os procuradores da República pediram reparação de R$ 879 milhões.

SEM BASE EMPÍRICA

O procurador da República no DF Frederico Paiva negou, em entrevista à imprensa, que a denúncia do MPF tente "criminalizar o lobby".

Segundo o procurador, há provas no processo de que "parte desse dinheiro" ligado ao lobby "foi destinado a servidores públicos".

"O Ministério Público faz lobby no Congresso, milhares de pessoas fazem lobby no país, a gente sabe e respeita esse trabalho."

"Ninguém passa R$ 70 milhões para alguém para fazer reunião com segundo escalão de governo. E nem houve reuniões", disse Paiva.

Sobre os altos valores pagos por suposta "fidelização" dos lobistas, o procurador disse que o argumento "não tem nenhuma base empírica". "O valor dos custos anotados pelos próprios intermediários era muito significativo", disse o procurador.

TRÉPLICA

Ao deixar a sala da audiência, APS passou, acompanhado do também lobista Mauro Marcondes, escoltados por policiais, pelo ponto na plateia em que o procurador concedia entrevista à imprensa. Era o caminho para eles deixarem a sala. Ambos estão presos na Papuda e foram trazidos nesta manhã para acompanhar a audiência.

"Nós podemos falar também?", dirigiu-se APS ao procurador, que estava cercado por jornalistas na entrevista. Paiva respondeu que sim. "Podem, podem fazer as perguntas", disse o procurador.

APS afirmou: "Eu nunca vi o senhor e estou vendo pela primeira vez". Paiva então indagou, em tom de ironia: "Gostou?".

APS retrucou: "Muito, é fantástico. É bom saber quem me acusa". Marcondes deu risada. Em seguida, os lobistas deixaram a sala.

Após a pausa do almoço, o procurador e APS voltaram a conversar na sala da audiência, antes do reinício dos depoimentos das testemunhas. Em tom ameno, APS pediu ao procurador apoio do Ministério Público Federal para poder ter acesso, na penitenciária da Papuda, à cópia integral do processo em que é acusado.

Segundo a defesa de APS, a direção da penitenciária tem causado embaraços para a entrada de papéis relativos aos processo. Os advogados de APS disseram que o réu ainda não conseguiu estudar todo o processo e, assim, auxiliar a construção da defesa.

Paiva afirmou que os advogados de APS têm cópia dos autos, mas disse que, pelo Ministério Público, não haveria problema quanto ao réu também ter acesso.

A conversa foi presenciada pelo também lobista José Ricardo da Silva, que foi sócio de APS. Na presença de ambos, Paiva comentou que o Ministério Público Federal tem convicção das provas dos autos.

Editoria de arte/Folhapress
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