Folha de S. Paulo


Lula disse que seu filho não o consultou sobre pagamentos de lobista

Silvia Izquierdo - 3.dez.15/Associated Press
Brazil's former President Luiz Inacio Lula da Silva speaks during a press conference, after a meeting with Rio de Janeiro's Governor Luiz Pezao, in Rio de Janeiro, Brazil, Thursday, Dec. 3, 2015. Silva made comments about the impeachment proceedings against fellow Worker's Party member, Brazilian President Dilma Rousseff.
O ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva

No depoimento que prestou à Polícia Federal em inquérito da Operação Zelotes, no dia 6, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que seu filho caçula, Luis Cláudio Lula da Silva, não fez qualquer contato com ele antes de receber R$ 2,5 milhões de empresa do lobista Mauro Marcondes.

Os pagamentos ocorreram entre 2014 e 2015, na mesma época em que a firma do lobista, a Marcondes & Mautoni, ganhou R$ 16 milhões de duas empresas automotivas interessadas em medidas provisórias para o setor.

Como a PF chegou ao filho de Lula

O ex-presidente disse à PF acreditar que seu filho procurou Marcondes para obter patrocínio a seu projeto na área de futebol americano e que, ao que sabe, Luis Cláudio foi contratado pela Marcondes & Mautoni para a realização de estudos na área do esporte.

Lula afirmou não ter ideia do momento em que Luis Cláudio conheceu o lobista e sua mulher, Cristina Mautoni, mas disse conhecer Marcondes há mais de 40 anos, desde 1975, quando atuava no sindicato dos metalúrgicos do ABC.

Na época, segundo Lula, Marcondes teve passagem por Volkswagen, Scania e Anfavea (associação que representa montadoras).

O petista disse que naquela época ele e Marcondes estavam em lados antagônicos –enquanto um defendia trabalhadores, o outro atuava para o interesse das empresas– e que só voltaram a se ver quando Lula assumiu a Presidência da República, em 2003, porque o lobista era um dos vice-presidentes da Anfavea.

PEDIDOS

Lula afirmou que, na Presidência, não atendeu a pedidos formulados por Marcondes e procurou demonstrar distância de lobista, ao dizer que ele nunca prestou serviço às suas campanhas eleitorais nem teve "qualquer tipo de relação financeira de qualquer natureza".

O ex-presidente afirmou ainda seu então chefe de gabinete, Gilberto Carvalho, filtrava pedidos que chegavam à Presidência, e que não se lembra de solicitações de Marcondes.

O ex-presidente, porém, relatou que em certa ocasião recebeu de Carvalho uma carta de empresários da Suécia, da qual Marcondes foi o portador, pedindo uma audiência para tratar de investimentos de empresas suecas no Brasil.

Lula prestou depoimento ao delegado da PF Marlon Cajado acompanhado de quatro advogados: Roberto Teixeira, Cristiano Zanin Martins, Luiz Carlos Sigmaringa Seixas e Nilo Batista (recém-contratado para a defesa do petista).

Ao longo do depoimento, foi confrontado sobre uma série de documentos, e-mails e anotações que mencionam interesses de Marcondes no governo federal e que foram apreendidos durante a Operação Zelotes.

Sobre a minuta de uma medida provisória encontrada com um dos investigados, disse que "desconhece como eles poderiam ter obtido acesso a essa informação, mas que essas minutas circulam por diversos órgãos e servidores públicos".

CAÇAS SUECOS

Segundo a PF, foram apreendidos diversas mensagens que mostram interesse de Marcondes em vender para a FAB (Força Aérea Brasileira) caças suecos produzidos pela Saab. De acordo com os investigadores, foi encontrada com ele uma solicitação de audiência entre o presidente da Saab, Ake Svensson, e o então presidente da República.

Lula disse que não se recorda do documento nem da audiência, mas disse que, se ela ocorreu deve estar registrada na agenda presidencial.

A PF contou que foi encontrada uma mensagem enviada por Marcondes, em 2012, para um investidor sueco chamado Janer Bengt com dados do Instituto Lula. O ex-presidente que nunca recebeu nenhuma dele e negou que Marcondes o tenha procurado para tratar da compra dos caças.

A PF também fez menção a uma "minuta de carta" de Marcondes para Lula, encontrada nos computadores do lobista, na qual ele solicitaria apoio do ex-presidente para a contratação da Saab e solicita que levasse a demanda à presidente da República", Dilma Rousseff, já que ele [Marcondes] não tinha a mesma liberdade com ela.

Lula também negou o caso.

'HIPÓTESE ABSURDA'

Na parte final do depoimento, Lula foi indagado diretamente pela PF se os pagamentos feitos a Luis Cláudio eram "algum tipo de contraprestação por serviços prestados pelo senhor [Lula] à empresa Saab para que essa viesse a vencer a concorrência para a compra de caças para a FAB".

Lula disse que a hipótese "um absurdo" e que "nunca teve atuação relacionada a esse assunto".

A PF também quis saber se os pagamentos poderiam ser algum tipo de contraprestação por serviços por elaboração de medidas provisórias, o que foi negado veementemente.

A hipótese foi considerada por Lula "um outro absurdo". Ele afirmou que as MPs seguiram o trâmite regular.

Lula foi indagado ainda sobre relatório encontrado nos computadores de Marcondes que mencionava que a MP "foi combinada entre o pessoal da Fiat, o presidente Lula e o governador Eduardo Campos", morto em acidente aéreo em 2014.

O ex-presidente considerou que uma combinação assim seria "coisa de bandido e que não ocorreu". Ele acrescentou que se reuniu algumas vezes com Campos, então governador de Pernambuco, e com um representante da Anfavea, ocasião em que foram esclarecidos os benefícios da instalação da fábrica da Fiat no Estado do Pernambuco, e afirmou que nunca recebeu proposta de pagamentos indevidos.

"Nunca houve qualquer tipo de proposta indevida ou vantagem financeira ao declarante [Lula] para que propusesse alguma Medida Provisória e que ninguém teria coragem de lhe fazer uma proposta dessa", disse o ex-presidente, segundo o termo de depoimento.

NOVO DEPOIMENTO

Lula foi intimado a prestar novo depoimento na segunda-feira (25) como testemunha de defesa do lobista Alexandre Paes dos Santos, réu da Operação Zelotes. O processo a que responde o lobista trata da compra de uma medida provisória em 2009.

Nesta sexta (22), o ex-presidente pediu dispensa do novo depoimento. Na petição, os advogados escreveram que "o peticionário [Lula] nada mais tem a acrescentar em relação ao que foi esclarecido" no dia 6 de janeiro, à Polícia Federal, em outro inquérito da Zelotes.


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