Folha de S. Paulo


Para CIA, paranoia excessiva de militares resultou no AI-5

Dois dias antes da decretação do Ato Institucional número 5, que fechou o Congresso brasileiro e suspendeu garantias individuais, a CIA (Agência Central de Inteligência americana) informou ao presidente Lyndon Johnson que a paranoia dos militares daqui com a subversão estava se tornando cada vez "perigosa" e poderia empurrar o general Costa e Silva para um endurecimento da ditadura.

Em um registro de um parágrafo no briefing ao presidente, a CIA narrava o episódio da prisão de três padres franceses e de um diácono brasileiro em Belo Horizonte, em 2 de dezembro, sob a acusação de ligações com a Juventude Operária Católica.

Michel Le Ven, Francisco Xavier Berthou, Hervé Croguenec e o brasileiro José Geraldo da Cruz ficaram presos durante 72 dias.

O episódio dos padres franceses despertou uma análise cáustica da CIA sobre a ditadura aliada de Washington: "Enquanto o caso dos três padres tem algum mérito, é a excessiva preocupação dos militares com a subversão, real ou imaginária, que pode se tornar mais perigosa".

"Sob a pressão do Exército, Costa e Silva provavelmente vai mudar em direção a um regime mais autoritário", cravou a análise.

O texto está em um memorando enviado por Langley (sede da CIA) à Casa Branca em 11 de dezembro de 1968, que integra a coleção de briefings "ultrassecretos" das presidências de John Kennedy e Lyndon Johnson (janeiro de 1961 a janeiro de 1969), tornados públicos recentemente.

Os "briefings" são documentos curtos, raramente superiores a 12 páginas, divididos em tópicos por país abordando os bastidores mais importantes dos interesses americanos no exterior. Além do carimbo de ultrassecreto, o campo do destinatário é restritivo: "para os olhos do presidente somente".

NOVA ORDEM

Em 14 de dezembro, dia seguinte à decretação do AI-5, os analistas enviaram a Johnson a descrição dos primeiros lances da nova ordem.

"Costa e Silva cedeu aos generais e decretou as mais severas medidas em vários anos. O Congresso foi fechado e muitos de seus membros, cassados", registrou o memorando de 14 de dezembro.

Ao afirmar que a "linha-dura passou ao comando", a CIA descreveu a disputa legislativa "intrinsecamente desimportante" que emparedou Costa e Silva –em 12 de dezembro, a Câmara negara licença para o governo processar o deputado Marcio Moreira Alves por criticar as Forças Armadas, o pretexto para a decretação do AI-5.

"O prestígio dele caiu [Costa e Silva] dramaticamente, sua indecisão e dependência dos militares se tornaram aparentes. Ele pode ser apenas um presidente decorativo a partir de agora [...]", diz o texto.

Editoria de Arte/Folhapress

DIAGNÓSTICO

No dia 16, novo diagnóstico da situação do país: a cassação dos direitos políticos de todos os oponentes do governo e a linha-dura do regime no comando transformara Costa e Silva em "prisioneiro virtual do Exército".

Dois dias mais tarde, chega ao Salão Oval da Casa Branca uma análise de que a censura da imprensa mantém o público "no escuro quanto a quem foi preso e por quê" e que arcebispos progressistas estavam pregando contra o regime, em um "desafio aberto" à ditadura.

A resposta dos militares, previam os analistas, seria mais repressão.

"Os terroristas comunistas permanecem determinados apesar das medidas repressivas dos últimos dias. Mas as vítimas [da repressão militar], de fato, têm sido políticos não-comunistas e líderes estudantis. Duas bombas apareceram em São Paulo na última terça. Se isso continuar, é provável que haja reação violenta das forças de segurança e dos militantes de direita", afirma o memorando de 19 de dezembro.

O palpite de Langley do endurecimento do regime se provaria acertado no futuro. O ano de 1968 terminou com 12 manifestantes mortos nas ruas enquanto o terrorismo matou seis militares e dois civis. Foram 85 denúncias de torturas.

TORTURA

No ano seguinte, o primeiro de vigência do AI-5, as denúncias de tortura chegaram a 1027. Em 1970, seriam 30 mortos pelo Estado, 17 pela esquerda armada e 1207 relatos de torturas.

Em janeiro, foram cassados 39 parlamentares e três ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), além de um do STM (Superior Tribunal Militar).

Em agosto de 1969, Costa e Silva sofreu uma isquemia cerebral e foi substituído por uma junta militar.


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