Folha de S. Paulo


Criticado pela esquerda, Jean Wyllys diz que vai voltar a Israel

Daniela Kresch/Folhapress
O deputado federal Jean Wyllys, em hotel em Tel Aviv
O deputado federal Jean Wyllys, em hotel em Tel Aviv

Alvo de críticas da esquerda, inlcuindo de membros de seu próprio partido, por ter viajado a Israel, o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) disse à Folha, em Tel Aviv, que voltará a Israel sempre que for convidado por ativistas de esquerda, ao contrário do cantor Caetano Veloso, que fez uma apresentação no país em julho de 2015, mas depois prometeu nunca mais visitá-lo.

Wyllys foi a Israel a convite da Universidade Hebraica de Jerusalém para participar do simpósio "Brasil e Israel: desafios sociais e culturais" (5 e 6 de janeiro). Depois da conferência, passou mais cinco dias na região, financiado por ativistas de esquerda da comunidade judaica brasileira, encontrando parlamentares, intelectuais e escritores, tanto em Israel quanto na Palestina.

Em sete crônicas em sua página do Facebook, Wyllys relatou a viagem e fez comentários que irritaram parte da esquerda brasileira: "Sou contra boicotes contra qualquer povo. Culpar e condenar o conjunto dos israelenses pela opressão contra o povo palestino é tão equivocado quanto culpar o conjunto do povo palestino pelos atentados terroristas do Hamas ou o conjunto do povo americano pelos bombardeios no Iraque".

As postagens levaram a uma enxurrada de ataques de internautas e ativistas, incluindo alguns nomes de seu próprio partido, que apoia o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções a Israel). Líder do partido, o ex-deputado Milton Temer, disse que a visita foi um "grande erro" porque "somente uma pequena minoria dos judeus israelenses está engajada na corajosa luta" pelo direito dos palestinos.

O diplomata brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro chamou a viagem de Wyllys de "turismo histórico deslumbrado" em vídeo no Facebook (já retirado de seu perfil). A Frente em Defesa do Povo Palestino o acusou de se submeter à suposta tática de Israel de "pinkwashing" (lavar com rosa): usar a liberdade da comunidade LGBT no país para justificar "seus crimes contra a humanidade".

Arturo Hartmann, jornalista e membro da FFIPP (Rede Educacional pelos Direitos Humanos em Palestina-Israel), entidade criticada por Wyllys após encontro em Israel, esclarece que a entidade não integra oficialmente o movimento BDS.

"O Jean é um consenso entre os membros da FFIP, nós o admiramos. Ele tem posições no Brasil que lidam com os direitos humanos", diz Hartmann. "A nossa única expectativa era sentar com ele e falar: Jean, a realidade Israel-Palestina é um pouco mais complexa que isso". completa.

Leia os principais trechos da entrevista com o deputado.

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Folha - Qual foi o objetivo da viagem a Israel?

Jean Wyllys - Fui convidado pela Universidade Hebraica para participar de um seminário e tive a oportunidade de conhecer mais ao fundo este conflito. Minha posição quanto ao governo de Netanyahu mudou pouco. Ele flerta com o fascismo, manipula o medo, recupera traumas históricos para poder assegurar apoio da maioria da população à sua política belicista e de ocupação. Continuo solidário e aliado ao povo palestino. É um povo oprimido, que por conta da lógica de ocupação, colonialista, sofre bastante. Mas por outro lado, passei a enxergar o povo palestino de uma maneira menos esteriotipada. Não é um bloco monolítico, tem disputas internas. Não dá também para eliminar as contradições desse povo, por exemplo, os tratamentos que dá às liberdades individuais, notadamente questão LGBT.

Que tipo de tratamento?

Não há discussão sobre esse tema. Nem mesmo entre os militantes, os ativistas pela paz, que pensam numa outra solução para o conflito. Mesmo entre esses progressistas, a questão do LGBT não é tratada. Também, não pode-se dizer que Israel não é uma democracia. Dizer "Israel é um Estado genocida, é semelhante à Alemana nazista" é um desrespeito à memória das vítimas do Holocausto e seus parentes.

O senhor vai voltar a Israel?

Essa viagem serviu para fortalecer minha posição contra o boicote, o que irrita e desafia o coro dos contentes da esquerda brasileira. Vou retornar a Israel. Basta vir outro convite da esquerda. Niguém deixa de fazer suas "viagenszinhas" a Nova York porque os Estados Unidos tocam uma política belicista em outros países, enviaram drones e soldados para o Iraque. Ninguém propõe boicote ao Brasil porque Sérgio Cabral, Pezão e o PMDB tocam aquela política de ocupação das favelas, de UPP, e ninguém propõe um boicote ao Brasil pela fato de a juventude negra estar sendo exterminada numa política de segurança equivocada.

Uma das críticas foi a de que o senhor não tem conhecimento sobre o conflito e se curvou à tática do "pinkwashing"...

Achar que eu, um professor universitário, interessado em História e em política internacional, membro da Comissão das Relações Exteriores, não tenho leitura sobre esse tema é um desaforo. É arrogante e um tanto homofóbico. Como se eu me interessasse apenas pela questão LGBT e mais nada.

O senhor esperava essa reação da esquerda?

Não. Antes de mim, Paulo Abrão veio a Israel cumprindo um programa semelhante. Eduardo Cunha, presidente da Câmara acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, fez uma viagem que custou uma fortuna aos cofres públicos, apertou a mão de Netanayhu e não houve uma histeria dessa natureza. Pastores fundamentalistas brasileiros vêm para cá para firmar alianças com a direita israelense. Por que não houve histeria em relação a eles?

A decepção com o PSOL pode fazer com que você busque outros caminhos?

Não. Não foram todos que se comportaram como o Milton Temer, o mais irresponsável. Ele emitiu opinião sem antes me perguntar sobre a viagem. Seu comentário beira o antissemitismo, por mais que ele não goste e não admita. Há uma rapidez de julgar, de condenar. O Paulo Sérgio Pinheiro teve um papel fundamental nisso. Acho que se envergonhou tanto que tirou todas as postagens contra mim do Facebook. Foi um investimento desmedido numa reação à minha viagem. Afinal, minha posição é muito semelhante à dele. Só questiono a eficácia do boicote. As pessoas encontram nas posições deles a chance de vomitarem todo o ódio contra mim, que tem a ver sim com o fato de eu ser homossexual orgulhoso da minha identidade sexual, de eu tocar uma agenda de direitos humanos, de eu ter participado de um programa de TV de massa. É surreal.

O senhor teme isso?

Que nada! Sou uma pessoa livre! Não sou deputado, estou deputado. Não temo a impopularidade em nome da justiça e do discernimento. E não adianta me xingar, me chamar de "viado escroto", dizer que sou ex-BBB.

Como o senhor avalia este momento brasileiro? Como será 2016?

Tudo depende do rumo que tomará o caso Eduardo Cunha. Foi ele que inviabilizou o governo Dilma em 2015. Fez uma aliança com a oposição, que não se conforma de ter perdido as eleições de 2014. Se ele cair, o Brasil vai respirar. Eu sou oposição ao governo Dilma, mas ela foi eleita legitimamente. Vamos fazer oposição, mas não sabotar o país por meio de conspirações. A palavra para isso é golpe.

Colaboraram PAULA REVERBEL e CAROLINA LINHARES, de São Paulo


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