Folha de S. Paulo


Para ministra, restringir Bolsa Família provocaria onda de migração

Alan Marques - 18.dez.2015/Folhapress
A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello
A ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello

Depois de fechar 2015 podendo comemorar o fim de uma batalha bem sucedida contra proposta discutida no Congresso de corte dos recursos do Bolsa Família, a ministra Tereza Campello (Desenvolvimento Social) começou o novo ano tendo que explicar decisão da presidente Dilma Rousseff de vetar regra de reajuste automático do benefício aprovada pelo Legislativo.

Em entrevista à Folha, a ministra afirmou que a indexação dos benefícios é indesejável, mas que os valores médios pagos pelo programa têm tido ganhos superiores à inflação.

Campello, que está à frente da pasta desde 2011, critica a discussão sobre a necessidade de os beneficiários terem uma porta de saída do programa ou um prazo máximo de permanência.

*

Folha - A folga orçamentária de R$ 1 bilhão prevista para o Bolsa Família este ano será suficiente para promover um reajuste no valor dos benefícios que reponha a perda inflacionária do último ano?

Tereza Campello - Não há por que falar em perda inflacionária. Entre janeiro de 2011 e outubro de 2015, o benefício médio aumentou mais de 73%, bem acima da inflação. Hoje, ele é de R$ 165 mensais por família. A proposta de Orçamento que o governo mandou ao Congresso em agosto do ano passado aumentou em R$ 1 bilhão o valor do programa, em relação aos gastos de 2015. Como não há expectativa de aumento do número de famílias beneficiárias, que tem se mantido estável em torno de 13,9 milhões desde 2012, essa folga será destinada a um reajuste dos valores.

E quando ele será definido?

Não há definição, por ora. Isso dependerá das condições econômicas e também de estudos sobre as melhores opções. Não necessariamente o reajuste será linear, poderá beneficiar as famílias em situação de pobreza extrema ou que tenham filhos menores.

Como a senhora avalia a polêmica gerada pela tentativa frustrada do relator do Orçamento no Congresso de cortar recursos do Bolsa Família? O programa representa um obstáculo para o controle das contas públicas?

Fico feliz de isso não ter acontecido, por vários motivos. Você tirar 23 milhões de pessoas do programa, que é o que teria acontecido [com o corte de R$ 10 bilhões proposto pelo relator], significaria tirar 11 milhões de crianças da escola, do atendimento médico. O impacto para a sociedade seria terrível, acho que o Brasil não fez essa opção.

E o questionamento sobre o fato de a renda do beneficiário do Bolsa Família ser autodeclarada fragilizar o programa?

A pessoa é obrigada a atualizar [seu cadastro] a cada dois anos, e nós fazemos, desde 2009, um cruzamento com bancos de dados que é reconhecido pelo TCU, por todo mundo. Anualmente a gente faz o cruzamento com o INSS, Rais, Caged e sistema de óbitos. Em alguns outros anos a gente cruza com outras bases de dados adicionais.

Por que o Bolsa Família é tão valorizado pelo FMI, pelo Banco Mundial, pelos órgãos de controle, por pesquisadores do mundo? Porque é barato. Se a gente tivesse que apurar a renda mês a mês, imagina o custo que seria.

É a discussão sobre a necessidade de uma porta de saída.

Em média o programa paga R$ 167 por família, então é uma renda que complementa. A maior parte dessas famílias está trabalhando, não é uma pessoa que está deitada na rede sem fazer nada. Imagina no Nordeste agora, por exemplo. Tem cinco anos de seca. Se fossem dois anos de programa, como tem muita gente que defende, o que teria acontecido com essas famílias? O povo não estaria reclamando da porta de saída, ia estar reclamando que o [Terminal Rodoviário do] Tietê ia estar cheio de gente.

Quanto tempo os programas de proteção de renda que existem na Europa exigem que as pessoas saiam? Não exigem. Essa pergunta existe somente para pessoas que acham que isso é uma situação emergencial, que não ter uma rede de proteção é um valor para o país. O Brasil demorou muito para montar uma rede de proteção. E nossos dados mostram que 3 milhões de famílias saíram do Bolsa Família e nunca mais voltaram desde que o programa foi criado.


Endereço da página: