Folha de S. Paulo


Naji Nahas tentou acordo entre Cunha, empreiteiros e corretor, afirma delator

O empreiteiro Milton Schahin, que assinou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal na Operação Lava Jato, disse que o investidor Naji Nahas procurou sua família para que ele fizesse as pazes com o corretor de valores Lucio Bolonha Funaro e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Para Schahin, a iniciativa de Nahas "cristalizou" a participação de Cunha em uma disputa judicial que na época era travada entre os Schahin e Funaro. As relações comercial e de amizade entre Cunha e o corretor, acusado de irregularidades por operações financeiras com fundos de pensão no Rio e de colaborar no caso do mensalão após realizar pagamentos ao extinto PL, hoje PR (Partido da República), já foram negadas pelo presidente da Câmara em diversas oportunidades.

O depoimento de Schahin põe em dúvida a versão de Cunha e o associa aos interesses empresariais do corretor. As declarações de Schahin sobre a ligação entre Cunha e Funaro foram incluídas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no pedido, protocolado nesta quinta (16), no STF (Supremo Tribunal Federal), de afastamento do parlamentar da presidência da Câmara dos Deputados.

A história que uniria os Schahin, Funaro e Cunha começa em 2008, quando houve o rompimento de uma barragem da PCH (Pequena Central Hidrelétrica) de Apertadinho, em Rondônia. A Schahin Engenharia foi contratada pela empresa Cebel (Centrais Elétricas Belém) para realizar a obra.

A Cebel levantou recursos para a obra por meio de emissão de títulos mobiliários do tipo CCB (Cédulas de Crédito Bancário). As cédulas foram adquiridas pelos fundos de pensão Petros, dos funcionários da Petrobras, da Prece, dos empregados da Cedae —companhia de água e esgoto do Rio— e da Celos, de servidores das centrais elétricas de Santa Catarina. Segundo a PGR (procuradoria Geral da República), cada fundo entrou com R$ 150 milhões.

De acordo com a PGR, na época em que a Cebel captou os recursos da Prece, a presidência da Cedae era exercida por Lutero de Castro Cardoso "por indicação de Eduardo Cunha". Cardoso atuou na Cedae entre 2005 e 2007. No ano seguinte, passou a trabalhar na empresa Gallway, "cujo verdadeiro dono" é Funaro, diz a procuradoria.

Após o rompimento da barragem, iniciou-se uma longa batalha judicial, entre a Schahin e as empresas ligadas a Lúcio Funaro, "que girava em torno da responsabilidade pela não renovação da apólice de seguro-garantia da obra e, via de consequência, pelas danos causados".

A partir daí, afirmou a PGR ao STF, a Schahin passou a ser alvo de intensas cobranças da Câmara dos Deputados, tanto na forma de seguidos requerimentos quanto de pedidos de explicações. Segundo a PGR, a Schahin foi alvo de 32 representações protocoladas por dez parlamentares de diferentes partidos, incluindo a então deputada federal Solange Almeida (PMDB-RJ), hoje prefeita de Rio Bonito e denunciada ao lado de Cunha em um dos inquéritos derivados da Lava Jato.

Conforme a Folha revelou, em junho passado, Solange apresentou a representação a pedido de Funaro, como a advogada do corretor confirmou à reportagem por e-mail. As pressões de parlamentares sobre a Schahin levantaram a hipótese, para a empreiteira, de que gente poderosa estava por trás de Funaro.

Em depoimento à PGR, o irmão de Milton, Salim Schahin, disse que Funaro "não tinha poder político para fazer o estardalhaço realizado contra o Grupo Schahin no Congresso Nacional sem o apoio de pessoas poderosas, especialmente o do deputado Eduardo Cunha, um dos mais poderosos entre os deputados".

ALMOÇO

No auge do embate entre Schahin e Funaro, a família foi procurada pelo investidor Naji Nahas, cuja amizade com o corretor do Rio seria "um fato notório". A iniciativa de Nahas, segundo Schahin, incluiu a realização de um almoço na casa do investidor do qual participaram Cunha, o empreiteiro Salim Schahin, o economista Delfim Netto e um empresário do grupo de frigorífico Bertin. O almoço teria ocorrido "há dois ou três anos".

Segundo Salim, o investidor Nahas "questionou ao depoente [Salim] se concordaria em se reunir com o deputado federal Eduardo Cunha para discutir a questão de Apertadinho". Salim foi ao encontro. Para ele, desde o início, era para ser uma reunião com Cunha para fazer um acordo com ele, mas não se sabe se a reunião foi pedida por ele.

De acordo com a representação da PGR contra Cunha, Salim confirmou em depoimento que "entre os diversos argumentos utilizados para convencê-lo a fazer um acordo no caso de Apertadinho seria o fato de Lúcio Funaro ser uma pessoa 'perigosa e difícil', bem como sua estreita relação com Eduardo Cunha".

Segundo Salim, pouco antes do almoço, Delfim e Nahas "tentaram convencê-lo" sobre "quão forte era o deputado Cunha". Disseram também que ele poderia "ajudar ou atrapalhar muito o grupo Schahin".

Sempre segundo os relatos de Salim e de Miton Schahin, Cunha compareceu ao almoço, mas o número de pessoas presentes parece tê-lo constrangido. Quando foi levantado o assunto da usina, Cunha "evitou a todo custo citar a barragem de Apertadinho". O deputado teria ficado pouco tempo no almoço. Para Salim, "ficou nítido" que ele "não se sentiu confortável em tratar do tema de Apertadinho na presença das pessoas presentes".

OUTRO LADO

Procurado pela Folha nesta quinta-feira (17), o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto confirmou ter participado do almoço na casa de Naji Nahas, mas negou qualquer ligação em possível tentativa de pacificação entre Cunha e Funaro, plano que ele disse desconhecer.

Delfim afirmou que o objetivo do almoço foi outro. "Foi uma homenagem ao Eduardo Cunha, que tinha acabado de ser eleito para a presidência da Câmara", disse. "Nada disso [sobre Funaro ou usina Apertadinho] nunca foi tratado no almoço. Tinha mais ou menos umas 20 pessoas presentes", disse Delfim.

"Acho que o Funaro estava, mas tinha muito mais gente", afirmou o economista, para quem "é uma palhaçada" a versão de que o almoço era parte de um plano de pacificação entre Cunha e Funaro.

O advogado de Naji Nahas informou que o investidor estava em viagem para o exterior, não poderia ser localizado nesta quinta-feira (17) e, por isso, não iria se manifestar sobre a petição de Rodrigo Janot.

Em junho, ouvido pela Folha sobre suas relações com Funaro, Cunha reiterou que não mantinha negócios com ele: "Eu não o vejo há muito tempo. Conheço, sei quem é, já estive com ele algumas vezes, mas não tenho relacionamento cotidiano com ele, não. Não é pessoa que faça parte das minhas relações cotidianas".

Na mesma época, Funaro disse à reportagem, por meio de sua advogada Beatriz Catta Preta, que "nunca pagou qualquer conta" de Cunha, "sendo certo que as matérias vinculadas a esse respeito foram alvo de processos judiciais". Ele também "negou veementemente ter tratado de assuntos ligados a quaisquer requerimentos" com Cunha.

Segundo a advogada, Funaro é "representante dos fundos controladores da Gallway desde 2003, mas não exerce atividade executiva no grupo". "Meu cliente ressalta que se a Petrobras e as autoridades competentes tivessem ao menos analisado as denúncias formalizadas pela Cebel e suas coligadas desde 2009, alguns bilhões de dólares não teriam sido desviados dos cofres públicos brasileiros."


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