Folha de S. Paulo


'Pedalada fiscal é desculpa', diz autor de pedido de impeachment de Collor

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 25-09-2015, 10h00: Entrevista com o ex presidente da OAB na época do impeachment de Collor, Marcelo Lavenere, em seu escritório em Brasília. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) ***ESPECIAL*** ***EXCLUSIVA***
O advogado Marcello Lavenère, presidente da OAB na época do impeachment de Collor, em Brasília

Em 1992, Marcello Lavenère, então presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) assinou, com Barbosa Lima Sobrinho, o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor (hoje no PTB e no PRN à época).

Lavenère, hoje aos 77, vê diferenças entre a situação de Collor e de Dilma e diz haver pré-julgamento no caso da petista, em tramitação.

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Folha - Hoje fala-se em medo de que o processo de impeachment paralise o país. Havia o mesmo sentimento em 1992?

Marcello Lavenère - Talvez em 1992 esse medo fosse menor porque a economia não passava pela mesma dificuldade que passa agora. Não é que estivesse nadando em um mar de rosas, mas não havia essa crise mais aguda que nós estamos vivendo, após 12 anos de estabilidade.

Isso aumenta as chances de o pedido atual seguir?

A presidente Dilma tem o direito de dizer que essa não é uma crise causada por um comportamento irregular dela. No caso do Collor, o próprio presidente da República era o acusado de praticar coisas ilícitas. O Congresso criou uma CPI, Collor teve amplo direito de defesa. No fim, foi feito um relatório, aprovado por unanimidade, apontando que o presidente cometeu ilícitos. Ninguém pediu impeachment antes do fim da CPI.

Como o sr. entrou no processo?

Recebi uma visita dos senadores Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Pedro Simon (PMDB), e dos deputados Vivaldo Barbosa (PDT) e Aldo Rabelo (PC do B). Pediram que eu assinasse o impeachment. Simon disse que, vindo deles, seria visto como disputa política. O Conselho Federal da Ordem autorizou.

Collor renunciou pouco antes do fim do processo. Pegou vocês de surpresa?

Na manhã do último dia do julgamento, a sessão abriu, e o advogado do Collor apresentou a renúncia. O vice-presidente, Itamar Franco, foi empossado. Criou-se uma indagação: agora que temos um novo presidente, o processo vai terminar? O processo continuou por causa da pena secundária, de inelegibilidade por oito anos.

E por que o sr. acredita que a situação é diferente hoje?

Há posição pré-estabelecida contra a Dilma antes de qualquer julgamento. Em janeiro, quando ela tinha 15 dias de governo, o PSDB pediu um parecer ao jurista Ives Gandra Martins. Não era possível que com 15 dias de governo já houvesse a presidente da República cometido tamanhos desvarios que já justificassem o impedimento. O impeachment não é para luta política. O que ela fez? Roubou? Recebeu propina? Recebeu vantagem ilícita? Perdeu o decoro do cargo? Cometeu algum dos ilícitos que estão contidos na Constituição e na Lei do Impeachment? Não. Vamos arrumar uma desculpa aqui: pedalada fiscal.

E a edição de decretos para aumentar o orçamento?

Nesta semana o Congresso mudou a meta fiscal e, com isso, excluiu qualquer alusão a pedalada neste ano. O argumento de que houve manobra em 2015 desaparece. Resta a acusação do ano passado. Mas, pela doutrina do STF e pelo direito constitucional, o fato de outro mandato não compromete o atual.

O sr. não acredita que isso poderia ser revisto?

O instituto do impeachment não é de uso frequente. O princípio é: os atos irregulares cometidos por alguém que tenha um mandato podem acarretar a perda desse mandato. Se a Dilma tiver roubado em 2014, matado, cometido toda a sorte de crimes, ela pode responder penalmente, pode ficar inelegível. Mas o mandato que ela tem agora não é contaminado.

Com a crise política, o impeachment pode acontecer?

Eu poderia dizer que tudo pode acontecer. Mas imagino que vá ser improvável. Não estou preocupado em defender o mandato da Dilma. O que me preocupa é a regularidade e o respeito às instituição republicanas, à democracia e ao futuro do país.


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