Folha de S. Paulo


Lobista ligado a Renan é suspeito de agir em fundos de pensão

Zanone Fraissat - 13.abr.12/Folhapress
O lobista Milton Lyra, durante evento em 2012
O lobista Milton Lyra, durante evento em 2012

Uma anotação apreendida no dia das prisões do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e do banqueiro André Esteves, ligando o BTG Pactual a uma suposta propina de R$ 45 milhões, trouxe para o centro da Lava Jato o nome de um lobista conectado ao presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL).

Capturada na casa do chefe de gabinete de Delcídio, Diogo Ferreira, o manuscrito dizia que o dinheiro fora pago ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e cita como participantes da operação o executivo do BTG Carlos Fonseca "em conjunto com Milthon Lyra".

Segundo procuradores da Lava Jato, trata-se de Milton de Oliveira Lyra Filho (e não "Milthon", como o bilhete grafa equivocadamente).

Miltinho, 44, como é conhecido, já foi citado por delatores como operador de Renan no Postalis, o fundo de pensão dos servidores dos Correios. Quatro requerimentos para ouvi-lo foram apresentados na CPI dos Fundos de Pensão, mas não votados.

Uma das operações atribuídas a ele e que chamou a atenção da CPI foi a emissão de debêntures pelo Galileo Educacional, que controla a Universidade Gama Filho, em 2010. O grupo emitiu R$ 100 milhões destes títulos, cujo lastro era o pagamento de mensalidade dos alunos de medicina. O Postalis adquiriu R$ 75 milhões dos papéis.

Com o descredenciamento da universidade pelo Ministério da Educação, em 2014, a garantia de pagamento das debêntures evaporou.

No mesmo ano, dois cunhados de Miltinho compraram a sede da Postalis no Distrito Federal por R$ 8 milhões, mas os escritórios do fundo continuaram no mesmo endereço, a um aluguel mensal de R$ 139 mil. O prédio foi revendido depois.

Num dos depoimentos de sua delação premiada, o doleiro Alberto Youssef atribuiu a Renan o controle sobre a diretoria financeira do fundo. O senador sempre negou qualquer irregularidade.

ASCENSÃO

Pernambucano, Miltinho surgiu em Brasília pelas mãos do usineiro e ex-deputado João Lyra (PTB-AL). Apesar do mesmo sobrenome, não têm parentesco.

Miltinho foi assessor de Lyra no Congresso, mas eles romperam em 2006, quando o usineiro foi derrotado pelo tucano Teotônio Vilela Filho na eleição para governador de Alagoas.

O antigo protetor sempre atribuiu a Miltinho o vazamento de informações sensíveis –como pesquisas de consumo interno –para Renan Calheiros, adversário do petebista. Procurado, João Lyra não quis se pronunciar.

A proximidade com Renan foi confirmada por um congressista que diz já ter encontrado Miltinho na casa do presidente do Senado. Eles costumavam se reunir em uma saleta, à direita da porta de entrada do imóvel, convertida num pequeno escritório.

Extrovertido, conversador e invariavelmente vestido com ternos bem cortados desde os anos 1990, Miltinho decolou socialmente em 2003, após o casamento com Daniela Matias de Souza, herdeira do grupo Cascol, rede de postos de combustíveis do DF.

Conhecido como "barão dos postos", o sogro Antonio José Matias de Souza foi preso na semana passada no curso de uma investigação sobre o cartel de postos em Brasília.

COCA E CHAMPANHE

Desde o casamento, Milton Lyra é figura frequente nas rodas de brasileiros endinheirados na Flórida (EUA). O reduto do lobista (e de muitos brasilienses) é a região de Sunny Isles, considerada menos nobre por estar a uma hora de Miami Beach.

Após anos de aluguel, Miltinho virou proprietário na Flórida em 2014: o imóvel ocupa todo o oitavo andar do recém-lançado Condomínio Regalia, tem 463 m², cinco banheiros, quatro quartos, vista para o mar e estrutura de lazer completa, incluindo praia privativa. O condomínio custa US$ 8.000/mês.

Quando comprou o apartamento, o lobista despertou ceticismo em seu círculo mais próximo. A razão do descrédito foi descrita por um destes amigos: apesar de bem sucedido, Lyra tinha fama de "beber Coca-Cola e arrotar champanhe".

Para adquirir o imóvel, desembolsou US$ 7 milhões, segundo registros da Prefeitura de Miami. Ele usou a empresa PRL Investment Corporation, sediada na Flórida.

Mergulhos no mar e partidas de golfe do Miami Beach Golf Club fazem parte da rotina dele. Seus cunhados Rafael e Philipe Matias, os compradores do prédio do Postalis, são seus parceiros habituais no esporte.

Em Brasília, o lobista é anfitrião conhecido. Sua casa no Lago Sul abriga festas para poucos e selecionados amigos. Nestes 'petits comités' animados por música ao vivo, o jantar é preparado pelo chef do restaurante Gero e o vinho, o chileno Almaviva (R$ 1.000 a garrafa).

ACUSAÇÃO 'ESTAPAFÚRDIA'

Procurado, Milton Lyra disse que exerce atividades empresariais conhecidas há 22 anos. Ele disse que é vítima de acusações "estapafúrdias", referindo-se à ligação de seu nome à suposta propina do BTG.

Lyra preferiu não falar sobre suas conexões políticas e a origem do imóvel nos EUA.

A assessoria de Renan não se manifestou até a publicação desta reportagem.


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