Folha de S. Paulo


Delcídio ganhou projeção como petista rebelde no mensalão

Citado na Lava Jato como suposto beneficiário de propina na compra da refinaria de Pasadena, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) tem vínculos antigos com a Petrobras.

Sua ligação com Nestor Cerveró remonta ao final dos anos 90, quando Delcídio chegou a comandar a diretoria de gás da estatal no final do governo Fernando Henrique Cardoso (1999-2001). Cerveró era o número 2 de Delcídio.

Neste período, Delcídio era próximo (mas não filiado) ao PSDB, partido pelo qual chegou a ser cotado para candidatura ao governo do Mato Grosso do Sul em 1998, mas iniciou uma ascensão meteórica dentro da ala lulista do PT.

Delcídio foi convertido ao petismo pelo então governador de Mato Grosso do Sul Zeca do PT, que fez dele primeiro seu principal secretário e, pouco depois, candidato vitorioso ao Senado em 2002.

No início do primeiro governo Lula, Delcídio tornou-se um dos principais interlocutores do governo na área de infraestrutura e teria emplacado Cerveró para a diretoria internacional da Petrobras. Mais tarde, a permanência de Cerveró no cargo também teria tido apoio de Renan Calheiros (PMDB-AL).

Após a prisão de Cerveró no curso da Lava Jato, Renan e Delcídio passaram a empurrar, um para o outro, a paternidade do ex-diretor caído em desgraça. O lobista Fernando Soares, o Fernando Baiano, afirmou em delação premiada que parte da propina de Pasadena - gerada na diretoria Internacional - para bancar sua campanha ao governo de Mato Grosso do Sul em 2006.

CPI DOS CORREIOS

Em 2005, na maior crise do governo Lula, o senador de primeira viagem ganhou projeção nacional ao ser alçado à presidência da CPI dos Correios.

Como petista, ganhou o cargo para ajudar o governo, mas acabou se tornando um presidente de CPI incômodo para o Planalto.

Foi em uma sessão da comissão que o publicitário Duda Mendonça admitiu ter recebido em contas secretas no exterior parte do pagamento pela campanha presidencial de 2002.

A admissão fez a crise do governo Lula se aprofundar e a saída do presidente ser cogitada em conversas de bastidores. No fim, Lula sobreviveu e se reelegeu.

Diferentemente da linha geral de seu partido, Delcídio desde sempre falou que o mensalão existiu, sim. Foi neste período que ele paulatinamente passou a se afastar de Lula. No entorno do ex-presidente, muitos consideraram sua atuação oportunista.

Delcídio sempre se deu bem com Dilma Rousseff. Como ele já teve passagens pela Eletronorte, o senador era um interlocutor da então ministra das Minas e Energia. A boa relação entre os dois continuou após Dilma assumir a Casa Civil e, mais tarde, quando foi candidata e eleita presidente.

Um dos argumentos do senador para dizer que as acusações de Fernando Baiano não fazem sentido é que, à época da compra de Pasadena, sua relação com o governo era tumultuada.

PETROBRAS-PT

Uma das primeiras operações suspeitas envolvendo a Petrobras e um governo do PT ocorreu no período em que Delcídio era secretário de Infraestrutura de Zeca do PT, após deixar a diretoria de gás da estatal. Entre abril de 2001 e junho de 2002, a petroleira pagou R$ 62 milhões diretamente a credores do governo estadual, sem recolher aos cofres do Estado.

Ao evitar que o dinheiro devido de ICMS pela Petrobras entrasse nas contas do Estado, o governo teria deixado de recolher o percentual de 15% da receita que deveria ser compulsoriamente transferido para amortização da dívida com a União.

O caso foi revelado pela Folha. Dois ex-secretários de Fazenda de MS são réus em ações que correm no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça. Um ex-funcionário da estatal foi condenado pelo Tribunal de Contas da União.

FAGUNDES PANTANEIRO

Sul-mato-grossense de Corumbá, Delcídio ganhou o apelido de Antonio Fagundes do Pantanal por causa da cabeleira. Contador de histórias, ele costuma visitar em uma fazenda herdada no Pantanal, onde gosta de cavalgar. Casado, é pai de duas filhas.

Embora tenha apoiado a continuidade da venda de armas no plebiscito de 2005 e seja forte crítico de invasões de terra, Delcídio destoa, ao menos no figurino, da imagem de pecuarista tradicional do Mato Grosso do Sul: aprecia rock dos anos 1960 e 1970 e é uma frequentador habitual de praias e festas em Florianópolis.

Delcídio é fã inveterado do cantor britânico David Bowie, para quem ele é o maior artista europeu. O petista também é grande fã do cantor Eric Clapton.

Não é o primeiro corumbaense influente preso esta semana. Na terça (24), o juiz Sergio Moro decretou a prisão de seu conterrâneo, o empresário José Carlos Bumlai.

SURPRESA

Pego de surpresa pela prisão do amigo, Delcídio confidenciou a interlocutores estar preocupado com o fato de a Operação Lava Jato ter chegado muito próximo ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem o pecuarista também era amigo desde 2002. Os dois se conheceram quando o petista gravou um dos programas de campanha às eleições presidenciais na época em uma fazenda de Bumlai no Mato Grosso do Sul.

Delcídio chegou a dizer que não havia como esconder a ligação entre Lula e Bumlai porque havia registros da proximidade entre os dois. Questionado por jornalistas na terça sobre a prisão do colega, Delcídio silenciou e disse que não conseguia tecer comentários. O petista foi preso no mesmo hotel em que Bumlai foi detido, o Golden Tulip, em Brasília.

Desde que assumiu a liderança do governo no Senado, em abril, o senador se notabilizou por tecer ácidas críticas às estratégias do governo na articulação com o Congresso e na condução da política econômica do país. Sempre que comentava uma ação desastrada da presidente Dilma Rousseff ou de um dos seus ministros mais próximos, costumava dizer que a Esplanada dos Ministérios precisava ser reduzida a apenas um ministério: o do "vai dar merda", e dizia que ele seria o ministro do "VDM".

Com trânsito entre parlamentares tanto da base aliada quanto da oposição, Delcídio costumava pedir "temperança" aos colegas quando a temperatura subia no Congresso. Além de presidir a Comissão de Assuntos Econômicos, uma das mais importantes do Senado, o petista também era considerado para ser o relator do projeto de repatriação de recursos depositados no exterior e não declarados à Receita Federal, tido pelo governo como uma das principais propostas do ajuste fiscal.

Na terça, Delcídio foi chamado às pressas pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), por volta do meio dia, para que fosse até a residência oficial do Senado. Lá, Renan estava reunido com o presidente da Petrobras, Aldemir Bendine. Oficialmente, Renan afirmou que o encontro foi realizado a pedido de Bendine porque há 38 convites em comissões tanto da Câmara quanto do Senado requerendo a presença do presidente da estatal em audiências públicas.

Após a sua prisão, nesta quarta-feira (25), senadores de diversos partidos lamentaram o fato por considerarem que ele era "querido" entre os seus pares.


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