Folha de S. Paulo


Comissão da Câmara aprova PEC da demarcação de terras indígenas

Após mais de oito horas de discussão, a Câmara aprovou em comissão especial, na noite desta terça-feira (27), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que regulamenta a demarcação de terras indígenas e quilombolas.

Representantes de movimentos indígenas e deputados contrários à proposta se retiraram antes da aprovação do texto final, em forma de protesto, o que acelerou o fim da votação e garantiu a validação da PEC pela unanimidade dos 21 presentes.

A proposta coloca entre as atribuições restritas da Presidência da República a demarcação de terras indígenas, via projeto de lei e descreve a tramitação do após o envio, pelo Executivo ao Congresso Nacional, delimitando um tempo para apreciação.

Da forma como foi aprovada, a proposta autoriza os índios a elegerem um representante indígena para a Câmara dos Deputados.

Além disso, altera os conceitos do que se considera terras indígenas. De acordo com a Constituição, "são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições".

O texto, contudo, passa a reconhecer como terras tradicionalmente ocupadas pelos índios aquelas que, em 5 de outubro de 1988 eram "por eles habitadas, em caráter permanente; utilizadas para suas atividades produtivas; e imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e à sua reprodução física e cultura, segundo seus usos, costumes e tradições".

A proposta também destaca exceções ao usufruto exclusivo da exploração do solo indígena quando as ocupações forem configuradas como de relevante interesse público, ou no caso de instalação e intervenção de forças militares e policiais, "independentemente de consulta às comunidades indígenas".

Há ainda restrições quando da instalação de redes de comunicação, rodovias, ferrovias e hidrovias, bem como edifícios destinados a prestações de serviços; ou quando as áreas fores afetadas por unidades de conservação da natureza ou ainda estiverem em perímetros urbanos.

A proposta veda também a ampliação de terra indígena já demarcada.

Ao acrescenta à Constituição detalhes da tramitação da proposta no Congresso, o texto destaca que, após o envio do projeto pelo Poder Executivo, os deputados e senadores analisarão a proposta em uma comissão mista no prazo de 90 dias.

Contudo, ressalta que, caso o relator faça um parecer favorável e o mesmo seja aprovado, a tramitação é conclusiva e irrecorrível. Ou seja, o projeto segue de volta para a Presidência da República para sanção, não cabendo recurso por parte dos parlamentares, como é possível atualmente em todos os casos de votações em comissão, para apreciação dos plenários das Casas.

Caso o parecer seja contrário ou vença o prazo de 90 dias sem que tenha havido a análise da comissão especial, ai sim a proposta segue para votação nos plenários da Câmara e do Senado.

Se em 60 dias não for apreciado, a proposta entra em regime de urgência e passa a trancar a pauta das Casas.

A proposta também garante ao proprietário de terra que estiver dentro dos limites a ser demarcado como terra indígena uma indenização. "É garantido ao possuidor de boa fé ou proprietário, cuja terra esteja em perímetro indígena, o prévio assentamento em área rural equivalente, ou a prévia e justa indenização em dinheiro".

DISCORDÂNCIAS

O presidente da comissão, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), criticou os deputados que se retiraram e disse tê-los desafiado a visitar aldeias "para comprovar que os problemas estão com a falta de governo".

"Os verdadeiros interessados, que querem saúde, nunca vieram aqui reclamar da PEC 215", afirmou ao final da reunião, após a aprovação do texto.

Os deputados do PSOL Glauber Braga (RJ) e Edmisol Rodrigues (PA), da Rede, Alessandro Molon (RJ), além de Erika Kokay (PT-DF), estavam entre os descontentes com a proposta aprovada.

Eles levantaram placas com os dizeres "PEC da morte", "Não à PEC 215", e argumentaram que a aprovação do texto vai acirrar os conflitos nas terras indígenas.

Para o relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), o que causa conflitos é "a injustiça com os agricultores". "O governo com a mão grande vai lá e tira a terra sem pagar nenhum centavo".

Há cerca de um mês, 80 índios e quilombolas passaram a noite na Câmara dos Deputados. Nesta terça, eles chegaram a acompanhar a votação, mas foram impedidos de entrar no plenário. Deixaram a Casa junto com os deputados contrários à PEC 215.

O texto agora vai à votação no plenário da Câmara, onde precisa passar por dois turnos de votação. Em seguida, segue para mais duas análises em dois turnos no Senado. Caso os senadores alterem o texto, por se tratar de PEC, o texto precisa retornar aos deputados - esse tipo de texto precisa ter o mesmo teor nas duas Casas Legislativas. Ao final, vai à promulgação do presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL).


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