Folha de S. Paulo


Diários de FHC mostram relação tensa de então presidente com a imprensa

Os atritos de Fernando Henrique Cardoso com a imprensa começaram cedo, na Presidência. "Vinte dias depois de eu estar exercendo o governo, a Folha fez uma pesquisa para saber se eu ia bem ou mal", diz ele no início de "Diários da Presidência, Volume 1, 1995-1996" (Companhia das Letras). "A Folha quer vender jornal. Fez as manchetes, deu dor de cabeça."

Em fevereiro de 1995, sem identificar quais veículos ou jornalistas, questionou a cobertura de uma aula que deu no interior da Bahia, parte de uma campanha educacional. "Eu disse que tive dificuldade de dar aula, para mostrar que ser professor primário é difícil. Claro que a imprensa imediatamente afirmou que fui mal na aula. O primitivismo é muito grande."

Em maio, num jantar com Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), publisher da Folha, e seus filhos Otavio Frias Filho e Luiz Frias, FHC questionou uma reportagem publicada no dia anterior, sobre favorecimento de uma empreiteira. "Eles fingiram que não era nada, aquela conversa estranha da Folha. Pessoalmente, o Frias é sempre muito gentil e muito entusiasmado, na prática, a Folha sempre fazendo as suas jogadas."

Acrescentou que "é a Folha que puxa essas notícias favoráveis e também as desfavoráveis. É uma questão de estilo deles e não tem jeito, o barulho é o que interessa". Um ano depois, já tendo enfrentado a cobertura dos primeiros escândalos, numa conversa com o ex-senador baiano Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), avaliou que o problema eram as novas gerações de acionistas dos grupos, Globo inclusive.

"O sistema Globo está muito difícil, porque tanto o Roberto Irineu quanto o João Roberto [filhos de Roberto Marinho] estão hoje mais voltados para o conjunto do grupo, estão fazendo os negócios necessários ao sistema, sem estarem à frente nem da televisão nem do jornal", diz. "E por mais que sejam nossos amigos os que estão lá hoje, e são até bastante amigos meus, Merval [Pereira], Ali Kamel, não há quem controle as coisas, porque estão naquela linha."

A "linha" a que se refere é aquela, segundo ele, exposta por Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, no programa "Roda Viva", em fevereiro de 1996. "O Otavinho definiu como papel da imprensa 'ser contra'. Disse que agora, no meu governo, é mais difícil, ele nota a imprensa com muito entusiasmo pelo governo, tem que achar uma maneira de ser contra", diz. "É a teoria do deslize, em que você analisa o todo pelo erro."

Conclui FHC que "[o espírito da] Folha prevaleceu. Então todos os jornais são contra. Por isso volto ao tema da conversa com o Antônio Carlos: adianta muito pouco falar com os jornalistas para chamar a atenção para uma coisa importante do governo: isso não conta".

Meses depois, exaspera-se. "A manchete da Folha de ontem foi a seguinte: 'FH pode depor sobre o [Banco] Nacional'. A Folha já puxa como se eu tivesse alguma coisa a ver. É uma sacanagem atrás da outra. É destruição pela destruição, uma fase difícil da vida brasileira. Eu tenho tido paciência, não fico denunciando essas coisas nem reclamando, mas é difícil manter a democracia e manter a decência com uma imprensa tão desgarrada. Até a Globo."

No final do período coberto pelo primeiro volume dos "Diários", FHC volta à carga, por causa de uma pesquisa "manipulada" sobre a corrida para a sua reeleição: "É uma coisa doída de dizer, um jornal no qual trabalhei por dez anos ou mais, escrevi tanto tempo lá, e hoje é um jornal mesquinho, negativo. Tudo é apresentado de maneira distorcida na Folha".

Diários da Presidência (Vol. 1)
Fernando Henrique Cardoso
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Antes e depois de registrar que "adianta muito pouco" falar com a imprensa, FHC manteve encontros constantes com publishers e jornalistas. A própria montagem do governo foi feita ouvindo as Organizações Globo. Os "Diários" são sucintos nas menções às conversas com Roberto Marinho (1904-2003), então presidente do grupo, e com Jorge Serpa, advogado ligado a Marinho, mas descrevem como foi a escolha de nomes para o Ministério das Comunicações.

"Eu próprio, depois de ter pedido uma informação ao Roberto Irineu Marinho a respeito de três pessoas competentes da área, pedi ao [secretário-geral da Presidência] Eduardo Jorge que as entrevistasse", diz FHC em janeiro de 1995. "Passei os nomes ao Sérgio Motta [1940-98]. O secretário-executivo escolhido pelo Sérgio [Renato Guerreiro] é um desses três. O Sérgio está montando uma equipe com uma base técnica muito forte."


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