Folha de S. Paulo


'Não dá para governar o Brasil com grupo de amigos', diz FHC em diários

Juca Varella - 15.ago.96/Folhapress
O então presidente Fernando Henrique recebe José Serra, candidato à prefeitura pelo PSDB, no Palácio do Planalto. As imagens do encontro no gabinete presidencial devem ser reproduzidas no horário eleitoral. [FSP-Primeira-15.08.96]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
O então presidente FHC recebe José Serra, candidato à prefeitura pelo PSDB, no Palácio do Planalto

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso confessa em seus diários sobre o exercício da Presidência da República que é difícil governar "com os amigos", porque não se tem o distanciamento para "fazer o que deve ser feito" com eles. O tucano narra disputas internas em sua primeira gestão, avalia que elas minam sua autoridade e reclama da mesquinharia nas negociações políticas.

Os relatos estão no primeiro dos quatro volumes do livro "Diários da Presidência" (Companhia das Letras), que chega às livrarias no dia 29 e detalha o cotidiano do poder nos primeiros dois anos do governo FHC, entre 1995 e 1996.

Em vários trechos da obra, o ex-presidente tucano reclama das fofocas e rusgas internas e o consequente desgaste para o governo. No diário, FHC chega a se dizer "amargurado" pelo clima entre seus principais ministros, a maioria amigos pessoais, que engrenaram numa disputa por discordâncias ideológicas, políticas e de estilo.

"O que sempre atrapalha, no processo político, são as questões pessoais, as vaidades, às vezes as ambições, e os mais próximos são os que mais nos machucam e atrapalham, porque a gente não tem o distanciamento para poder fazer o que deve ser feito", confessa o ex-presidente.

Diários da Presidência (Vol. 1)
Fernando Henrique Cardoso
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FHC demonstra dificuldades em encaixar em seu governo o amigo José Serra, na época chefe do Planejamento, especialmente no Ministério da Fazenda.

O ex-presidente diz ter sido sincero em uma conversa com o atual senador: "Disse, com toda franqueza, que só via duas maneiras de ele entrar no Ministério da Fazenda: ou provocando uma crise, porque a sua entrada provocaria a crise, ou depois de uma crise, para solucionar um impasse. Portanto, se algum ministro fracassasse, ele seria chamado".

Mesmo assim, FHC queria o amigo no governo e disse que não havia "sentido algum, em um governo meu, você longe, dado o tipo de relacionamento que temos e a enorme capacidade que você tem".

Pelos planos do ex-presidente, Serra deveria ir para um ministério com visibilidade, como Educação ou Saúde. "Meu raciocínio era o seguinte: Serra tem grande potencial político eleitoral, diferentemente dos outros da equipe econômica".

Ele também narra em detalhes uma série de desentendimentos entre seus ministros. Serra tinha uma série de discordâncias com Pedro Malan (Fazenda), por exemplo. Num desses episódios, FHC chega a dizer que os dois travavam um "braço de ferro inútil".

Outro personagem recorrente nas discussões é o ex-ministro Sério Motta (Comunicações). "Nesses últimos dias fiquei atazanado, e mesmo amargurado, com a relação tão difícil entre mim, Serra e o Sérgio [Motta]", narra FHC.

Para o ex-presidente, "os inimigos dão menos trabalho do que os amigos próximos. Todo mundo sabe disso, mas é duro sentir na pele". Em tom de desabafo, diz que não "não dá para governar o Brasil com um grupo de amigos" e narra um pito que deu nos ministros mais próximos durante uma reunião.

"Vocês têm ministérios excelentes, são excelentes ministros (...) dediquem-se a isso, meu Deus do céu. (...) Aqui entre nós, todas as coisas recaem sobre a minha cabeça, vão minando minha autoridade".

O amigo e ministro das Comunicações, Sérgio Motta, é alvo constante de reclamações. Principalmente por seu jeito estourado e agressivo. Numa passagem de novembro de 1996, FHC relata os problemas políticos que vinha enfrentando porque Motta havia arrumado um "charivari" com o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (PPB, hoje PP).

Motta afirmou que Maluf tinha pede de cordeiro, mas, por baixo da pele, era uma hiena. O pepebista não gostou e entrou com uma queixa-crime contra o ministro. Aí vem a lamentação do presidente:

"Falei com o Sérgio, que naturalmente veio com uma conversa branda, como se não tivesse dito nada de grave [...] Ele me respondeu que todos gostaram do que ele fez. Insistiu, portanto, no erro. Maluf é muito mais escolado, vai longe nas acusações, em tudo, e o Sérgio está caindo como um patinho nas armadilhas. E, claro, tudo respinga em mim. Vão achar que eu mandei o Sérgio dizer essas coisas."


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