Folha de S. Paulo


Generais comparecem a velório de Ustra, acusado de torturas

O velório de um dos principais nomes da repressão da ditadura, o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto nesta quinta-feira (15) aos 83 anos em decorrência uma pneumonia contraída enquanto era tratado de câncer, atraiu "de 20 a 30 generais" do Exército, segundo o coronel da reserva Renato Brilhante Ustra, 79, irmão do ex-comandante do DOI-Codi do Exército de São Paulo.

O coronel chefiou, entre 1970 e 1974, um dos principais centros de repressão do Exército durante a ditadura (1964-1985) e era acusado de ter pessoalmente participado de torturas de presos políticos.

Após o fim da ditadura, Ustra foi alvo de diversas acusações de ex-presos políticos e de ações movidas por familiares dos ex-militantes e pelo Ministério Público Federal que o responsabilizaram por torturas, assassinatos e desaparecimentos de presos que estavam sob a guarda do DOI-Codi paulistano.

"O Exército está abraçando e cumprimentando meu irmão, saudando-o como um herói", afirmou nesta quinta-feira o irmão, Renato. "Ele sempre disse com todas as letras que se hoje temos uma democracia, foi porque alguém combateu o terrorismo. Terrorismo não se combate com flor", disse Renato.

A Folha viu no velório, realizado na capela do HFA (Hospital das Forças Armadas), pelo menos dois generais da ativa, um dos quais portando um crachá do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) do Palácio do Planalto. O comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, não havia aparecido até o início da noite. Amigos de Ustra disseram que o comandante estava em viagem para João Pessoa (PB).

A Folha acompanhou parte do velório até ser retirada do local, junto com outro jornalista de "O Estado de S. Paulo", por dois militares da Comunicação Social do Comando do Exército. A reportagem presenciou os assessores de imprensa orientando os familiares de Ustra –que receberam bem os jornalistas– a não darem permissão ao trabalho da imprensa no velório. Entrevistas por fim foram permitidas ao lado da capela, mas os jornalistas não podiam circular entre os presentes.

A viúva de Ustra, Joseíta, disse que recebia orientações da assessoria de imprensa do Exército e deu declarações curtas: "Sou uma mulher abençoada, convivi 57 anos com o homem mais maravilhoso da face da Terra. Todos que o conheceram profundamente sabem que ele tem mel e é cativante".

Amigos do coronel procuraram no velório defendê-lo das acusações de torturas e assassinatos. O relatório final da CNV (Comissão Nacional da Verdade) apontou inúmeras graves violações aos direitos humanos cometidas pela unidade comandada por Ustra e também por ele, ao participar pessoalmente de torturas, segundo os testemunhos de ex-militantes da esquerda.

Um dos subordinados ao coronel no DOI-Codi na época, o coronel da reserva Pedro Ivo Moézia de Lima, 77, disse que Ustra "foi uma das pessoas mais importantes da história do Brasil". "O Ustra estava à frente do DOI, e tinha todo o apoio lá do comandante do Exército. [...] Ferimos de morte o terrorismo", disse Moézia.

O coronel admitiu que os militantes de esquerda que eram presos no DOI-Codi sofriam interrogatórios que ele chamou de "severos". "Às vezes o cara resolvia falar. O interrogatório é severo, ninguém vai estar lá dando bolacha e Coca-Cola e bolo para vagabundo. Então o cara acabava abrindo o bico e já era o sinal para ele ser justiçado [pela esquerda]. Qualquer um colaborador era... [justiçado]", disse Moézia.

O coronel disse que Ustra, nos últimos meses de vida, demonstrou contrariedade com a falta de apoio do Comando do Exército durante as investigações da CNV, entre 2012 e 2014.

"[Ouvi] ele falando dessa tristeza dele, de o Exército não ter feito nada, não ter movido uma palha para ajudá-lo nessa luta contra a Comissão da Verdade. Nós nos reunimos várias vezes para discutir 'o que vamos dizer, o que não vamos dizer'", disse o coronel, que também prestou depoimento à CNV.

O coronel disse que ao longo do trabalho da CNV ele e Ustra foram "abandonados pelo Exército", que não teria dado "nenhuma palavra de ânimo, de incentivo". "Nada disso, fomos jogados às feras", afirmou Moézia.

O deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) disse que Ustra "foi um homem que sofreu muito, foi muito perseguido por essa esquerda raivosa que não abandonou, infelizmente, o seu plano de poder absoluto no país". Ele disse que Ustra deverá ser cremado nesta sexta-feira (16) com "honras militares", em Valparaíso de Goiás (GO), e que a escolha da capela do HFA para o velório foi sinal de prestígio.


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