Folha de S. Paulo


Aeronave que serviu ex-presidentes da República desde 1986 vira sucata

A retroescavadeira levou pouco mais de dois minutos para partir o Boeing 707 KC-137 nº 2401 ao meio. Foi no Parque de Material Aeronáutico do Galeão, no Rio. Mas demorou quase um mês para que o Sucatão definitivamente fizesse jus ao apelido.

Em março do ano passado, o antigo avião presidencial virou sucata após seu desmonte completo. A aeronave foi vendida por R$ 13,5 mil num leilão pela internet, valor medido pelo peso de sua estrutura metálica reaproveitável.

Comprado da Varig em 1986, o Boeing serviu a todos os presidentes eleitos após a redemocratização até Luiz Inácio Lula da Silva. Todos se queixavam dele. Até que, em 2005, o petista comprou o Airbus apelidado de AeroLula.

O antigo avião presidencial continuou sendo usado até outubro de 2013, quando foi aposentado junto de outros dois do mesmo modelo (2402 e 2403) que serviam de apoio às viagens internacionais dos chefes de Estado.

O quarto avião já havia sido desmantelado no Haiti em maio daquele ano, quando sofreu um acidente no aeroporto de Porto Príncipe.

Embora fosse possível prolongar a vida útil das aeronaves, o custo para isso foi considerado alto pelo governo.

DESTRUIÇÃO

De acordo com a FAB (Força Aérea Brasileira), a destruição era necessária para preservar segredos militares e evitar a reutilização de equipamentos aeronáuticos.

O comprador foi o empresário Paulo Renato Pires Fernandez, ex-funcionário da Transbrasil. O alumínio aeronáutico foi fundido. Seu mercado potencial são Espanha, Estados Unidos e China. O empresário disse que conseguiu preservar as quatro turbinas do Sucatão. Devem ser doadas para uma escola de aviação. Alguns itens eletrônicos também se salvaram e serão recertificados para uso.

Fernandes afirma que tentou preservar a aeronave: "Tentei junto com o dr. João Amaro [presidente do Museu da TAM] levar para lá. Não conseguimos de jeito nenhum porque eles [FAB] alegavam que tinha segredo militar".

O Museu Aeroespacial, da Aeronáutica, também foi descartado, pois sua pista é imprópria para o pouso do Boeing. O transporte por terra foi considerado inviável.

Destino idêntico do Sucatão teve o Boeing com numeração 2403. Seus restos foram comprados por R$ 10,5 mil, também por Fernandez.

O empresário ofereceu ainda R$ 100 mil à FAB pelo Boeing 707 KC-137 que resta. Quer levá-lo ao Museu da TAM. A Aeronática ainda tenta vendê-lo inteiro em leilão. Em duas tentativas, ninguém apresentou interesse em gastar os R$ 312,2 mil solicitados.

HISTÓRICO

O Boeing 707 ganhou o apelido de Sucatão em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, quando se cogitou comprar um novo avião.

Em 1999, a turbina do 2403 pegou fogo em pleno voo com o então vice-presidente Marco Maciel. FHC decidiu deixar de usar o modelo e passou a fretar voos da TAM.

Lula o reativou em 2003, mas logo decidiu aposentá-lo. O nível de ruído emitido já não era aceito na maioria dos aeroportos europeus e o consumo de combustível era alto.

Com capacidade de abastecimento em voo, o Boeing 707 KC-137 seguiu sendo usado para deslocamento de tropas, como para o Haiti. Chegou a ser usado para transporte de civis durante o caos nos aeroportos em 2006, em socorro a passageiros da TAM.

Criticado pelos últimos presidentes, o avião sempre foi venerado por militares da Aeronáutica por sua capacidade de reabastecer jatos em pleno voo. A aposentadoria do KC-137 foi marcada com uma cerimônia do esquadrão Corsário, responsável pela aeronave, no Galeão.

"Não lamentamos que o KC-137 se foi e, sim, nos rejubilamos pelos feitos da aeronave", disse o comandante do esquadrão, Rogelio Azevedo Ortiz.


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