Folha de S. Paulo


Futuro está bloqueado pela ditadura do curtoprazismo, afirma economista

Alan Marques/Folhapress
BRASÍLIA, DF, BRASIL, 04.09.2014. às 10H.Representantes da área econômica dos três principais candidatos à Presidência participam às 10h de seminário na Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil. O tema é a estratégia em relação ao banco estatal. Márcio Pochmann fala para a plateia. (Alan Marques/ Folhapress) PODER
Márcio Pochmann em palestra na Associação Nacional dos Funcionários do Banco do Brasil

"Por quanto tempo a população sustentará medidas que apontam para o rebaixamento de seu padrão de vida?".

Quem faz o alerta é o economista Marcio Pochmann, 53, presidente da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT. Para ele, o ajuste do governo é um equívoco, reforça o baixo dinamismo da economia e ameaça direitos conquistados.

Ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Pochmann diz que a agenda de futuro do país está sendo bloqueada pela "ditadura do curtoprazismo", lógica do mercado financeiro.

Contra essa corrente, ele e dezenas de intelectuais lançaram, na semana passada, um documento com sugestões de mudanças políticas e econômicas: "Por um Brasil Justo e Democrático".

Nesta entrevista, ele critica o que vê como resistência da elite à ascensão dos pobres e avalia que o governo pode dar uma virada à esquerda e encampar as ideias do texto.

Folha - Qual é o foco do documento "Por um Brasil Justo e Democrático"?

Marcio Pochmann - É olhar o futuro. O Brasil se enfraqueceu do ponto de vista produtivo. Nosso projeto é de reindustrialização nacional. No início dos anos 1980, desenvolvimentistas fizeram o documento "Esperança e Mudança", com um projeto para o Brasil, que estava numa recessão por três anos (1981-83). Aquele texto foi nossa referência.

Por que o governo deu uma guinada e adotou um ajuste que, segundo o documento, segue a lógica do mercado financeiro?

A nova equipe econômica convenceu a presidente de que era mais importante adotar uma terapia de choque, que, diziam, teria efeitos negativos, mas de curto prazo. Fizeram choques fiscal, monetário, cambial e de preços. Tudo no mesmo momento. Isso alterou dramaticamente as expectativas e jogou a economia numa recessão. O impacto foi talvez surpreendente para a equipe econômica.

Surpresa? A recessão não foi deliberadamente fabricada?

As questões principais não estão resolvidas. Qual o projeto pós-ajuste? A lógica do ajuste é um fim em si mesmo. Não fixa pontes para o futuro. Está queimando pontes com o presente e passado. As sugestões que ganham força são de corte em despesas obrigatórias, estabelecidas como direitos e conquistas. A oposição, que não tem projeto para o futuro, diz que a Constituição não cabe no PIB.

Como o senhor rebate essa afirmação?

Temos uma despesa que não gera nenhum ganho e é improdutiva, que é a com os juros da dívida. Eles são campeões do mundo para uma dívida relativamente baixa em relação ao PIB. Defendemos finanças públicas saudáveis. As opções que estão sendo tomadas não levam a isso.

O ajuste não era necessário?

Medidas deveriam ter sido tomadas de forma gradual. O choque desorganizou a capacidade de o governo liderar os investimentos. Precisamos reindustrializar. A agenda que é a ponte para o futuro vai sendo bloqueada pela ditadura do curtoprazismo. Estamos na lógica do mercado financeiro, especulativo.

O empresariado está muito contrariado com o ajuste?

Não estão satisfeitos. É insustentável para o país uma recessão prologada. A se manter um quadro desses, as manifestações contra a recessão vão crescer, como cresceram nos anos 1980, quando um protesto de trabalhadores derrubou as grades do Palácio dos Bandeirantes. Temos um agravamento porque as pessoas estão percebendo a piora, o rebaixamento do padrão de vida. Por quanto tempo a população vai sustentar medidas que apontam para o rebaixamento de seu padrão de vida? É um caldo de cultura que favorece situações políticas que não sabemos muito bem.

O sr. considera a hipótese de o governo encampar as ideias do documento e dar uma virada à esquerda?

Sim. Estamos no início de um governo que tem quatro anos pela frente. A maioria hoje é muito frágil e a mudança ministerial vai no sentido de recompor uma maioria política para sustentar o governo para os próximos anos.

A mudança ministerial pode significar uma virada à esquerda? Não é o que parece.

A recomposição da maioria pode apontar para um caminho à esquerda. Juscelino Kubitschek foi eleito e não tinha maioria nas esferas institucionais –tinha só um terço dos votos no Congresso. E foi construir a maioria fora dessas esferas. Fez o programa de metas fora do governo e o executa fora da administração pública tradicional, cria grupos executivos. Esse movimento lhe permitiu reconstruir as bases no congresso.

O documento afirma que são os pobres que pagam a conta do social. Por quê?

Os pobres pagam mais impostos proporcionalmente do que os ricos. Para os pobres foi criado o Bolsa Família. Mas para a classe média e os ricos que podem declarar o Imposto de Renda há abatimento com gastos privados em instrução. Dá mais do que o Bolsa Família atual.

Há uma 'Bolsa Rico'?

Se houvesse um esforço concentrado só na questão da sonegação, não precisaria do ajuste. Sonegação, subsídios, desonerações: o Estado brasileiro é muito corajoso para cobrar imposto de pobre e paternalista para cobrar imposto de rico. Quem mais paga imposto não reclama e quem menos paga, reclama.


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