Folha de S. Paulo


Filho de vítima do atentado à OAB em 1980 fala sobre dor de 35 anos

Tania Rego/Agencia Brasil
O filho de Lyda Monteiro,Luiz Felippe Monteiro e família, durante a revelação do nome do suspeito de ser o autor do atentado contra a sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (Tania Rego/Agencia Brasil)
Luiz Felippe Monteiro, filho de Lyda Monteiro, vítima do atentado à bomba na OAB do Rio em 1980

Demorou 35 anos para um peso sair das costas do professor de Direito carioca Luiz Felippe Monteiro, 59. Aos 24, Monteiro estava na faculdade quando recebeu a notícia de que uma bomba explodira na sede do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no Centro do Rio, onde trabalhava a sua mãe, a secretária do presidente da ordem, Lyda Monteiro de Carvalho. Dona Lyda, como era conhecida, morreu a caminho do hospital.

No dia 11 deste mês, a Comissão Estadual da Verdade, do Rio, revelou ter descoberto que três militares, um coronel e dois sargentos, foram responsáveis pela bomba caseira. O coronel Fred Perdigão, morto há 20 anos, o sargento Guilherme Rosário (morto no atentado do Riocentro quando uma bomba explodiu acidentalmente em seu colo) e o também sargento Magno Cantarino Mota, ainda vivo e responsável por entregar o envelope com o explosivo à sua mãe, formavam o trio, segundo a comissão.

Todos integravam o CIE (Centro de Informação do Exército). Emocionado, Monteiro falou sobre o fim de uma dor que durou três décadas.

*

Estava assistindo à aula na PUC (Pontífice Universidade Católica) quando dois colegas vieram me dar a notícia. A primeira reação foi seguir para o centro da cidade.

A partir daí, sofri pelo descaso do Estado brasileiro. Primeiro, o governo fechou os olhos para a investigação. Impediu que chegássemos aos responsáveis.

Depois, decidiu não apurar o caso. Foi a vez da omissão. E aí, eu senti o que toda a vítima de impunidade sente: um desejo latente de se fazer justiça com as próprias mãos.

É uma coisa muito doida. Você desconfia de alguém, você até sabe quem é e não pode fazer nada.

Foi nesta época que entendi que certos acordos jamais podem ser feitos. Por que após o atentado que matou minha mãe parte da oposição política se calou. Fizeram acordos para não terem problemas nas eleições de 1982.

Mas não desisti. Passei a investigar, a procurar. E isso se voltou contra mim. Passei a ser ameaçado. Isso não me fez parar. Acreditei que um dia chegaria aos responsáveis por aquela barbaridade.

Nestes anos de busca por uma solução, o que começou a surgir com as comissões da Verdade, sempre havia um gosto, uma suspeita de impunidade no ar.

Sabe por quê? Esse episódio sempre teve solenidade: um ano, cinco anos, dez anos da explosão. Placas, quadros, homenagens à minha mãe. E nada de solução.

Minha vida mudou. Depois da ameaça a mim, teve a ameaça ao meu filho. Virou um projeto de vida, uma necessidade de que fosse resolvido. Mais do que qualquer indenização.

Não queria vingança. Não quero vingança. Eu, sinceramente, não sei como consegui carregar este peso por tanto tempo. Esse resultado da Comissão Estadual da Verdade foi um alívio.

Eu já vi meus filhos estudarem sobre o caso da explosão da OAB, durante o ensino médio, e o caso era apresentado a eles sem solução. Agora, os meus pequenos (Monteiro tem um casal de filhos de 5 e 8 anos) quando chegarem neste período poderão saber o que aconteceu.

Ainda que os militares não sejam criminalmente responsabilizados, os seus nomes estão sendo lançados publicamente como autores de um dos crimes mais hediondos de qualquer nação civilizada: o terrorismo. E tudo isso para a vergonha de seus familiares e amigos.

Espero que a solução deste caso também sirva de mensagem aos militares deste país. Com a redemocratização, nossos militares precisam entender que eles foram libertados destes grupos terroristas que comandaram durante anos as Forças Armadas.

Não guardo ódio, rancor ou qualquer sentimento de vingança.

No entanto, me sinto completamente legítimo para exigir do ministro da Defesa (Jacques Vagner) e dos comandantes militares um pedido de desculpas formal. Não só a mim, mas a toda a nação.

Lewy Moraes/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 27-08-1980: SA sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no Rio de Janeiro, após a explosão da carta-bomba que causou a morte da secretária Lyda Monteiro da Silva. (Foto: Lewy Moraes/Folhapress)
Cenário na sede carioca da OAB após explosão de bomba em 27 de agosto de 1980

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