Folha de S. Paulo


Fatiamento da Lava Jato deverá ser rediscutido, diz ministro do STF

Felipe Lampe
Ministro Gilmar Mendes fala durante almoço organizado pelo Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo)
Gilmar Mendes fala durante almoço organizado pelo Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo)

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes afirmou nesta sexta-feira (25) que o fatiamento das ações da Operação Lava Jato, aprovado pelo tribunal nesta semana —votação na qual o magistrado foi voto vencido—, terá de ser rediscutido eventualmente.

"Tenho a impressão de que muitas dessas pessoas que estão sendo investigadas ou presas em Curitiba entrarão com esse mesmo argumento e o tribunal terá que fazer outras distinções", disse. "O tribunal terá que recompreender e rediscutir isso em outro momento."

O ministro também argumentou que a mudança obrigará a Justiça Federal a promover maior coordenação entre os diversos tribunais que passarão a receber ações ligadas à Lava Jato.

"Estamos falando de crimes que ocorrem no Brasil todo e no exterior. Tenho a impressão de que temos que mudar os paradigmas. Era desnecessário, não precisava chegar a esse ponto", afirmou. "Há uma conexão pela própria prova, que é comum em todos os casos."

Na quarta-feira (23), o STF aprovou por 8 votos a 2 o primeiro fatiamento da Lava Jato. O caso específico analisado foi o da senadora Gleisi Hoffman (PT-PR), citada por um dos delatores como recebedora de propina para campanha eleitoral.

O processo dela foi remetido ao Supremo pelo juiz federal Sergio Moro, responsável pela operação no Paraná, porque a petista possui prerrogativa de foro —conhecida como foro privilegiado. Além de Gilmar, votou contra o fatiamento o decano da corte, Celso de Mello.

O tribunal decidiu que supostos crimes sem ligação direta com a corrupção na Petrobras, fato que deu origem à investigação, não devem ser remetidos necessariamente aos juízes responsáveis pela Lava Jato inicialmente. Desse modo, a relatoria deixou o gabinete do ministro Teori Zavascki, responsável até então pelas ações ligadas à Lava Jato no STF, e foi redistribuída ao gabinete do ministro Dias Toffoli.

Por 7 votos a 3, o tribunal decidiu no mesmo sentido em relação a Moro. Desse modo, a investigação do caso em que Gleisi foi citada também deixará a vara do juiz federal, no Paraná. O argumento é que, como os supostos crimes não aconteceram no Estado, não precisam ser julgados ali. O ministro Luís Roberto Barroso, que votou a favor da retirada do processo do gabinete de Teori, juntou-se a Gilmar e Celso de Mello em relação a Moro, dizendo que cabe ao juiz federal pronunciar-se sobre sua competência ou não de julgar o processo.

Em seu voto, Gilmar mostrou-se preocupado com o impacto da decisão, argumentando que a investigação da força-tarefa do Ministério Público pode ser afetada, e a mesma organização poderá ter sentenças diferenciadas, "decepando uma competência que deveria se afirmar, produzindo monstrengos".

GAMBIARRAS

O ministro também criticou as pedaladas fiscais do governo Dilma Rousseff, adotadas em 2014 e no início deste ano, que serão julgadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União). Argumentando que "o Brasil precisa acabar com as gambiarras institucionais", Gilmar disse que manobras do tipo levaram à situação política e econômica em que o país se encontra.

"De gambiarra em gambiarra nós estamos na situação que estamos hoje", afirmou. "As pedaladas nada mais são do que gambiarras."

No início de seu discurso, o magistrado afirmou que a Constituição de 1988 fez com que o Judiciário tivesse destaque em relação aos outros poderes. "Uma das marcas da Constituição brasileira de 1988 foi ter criado, talvez isso explique um pouco essa estabilidade institucional que nós estamos vivendo, uma estrutura poliárquica", disse, referindo-se a teoria do cientista político americano Robert Dahl, segundo a qual uma sociedade é mais democrática conforme há mais participação da sociedade civil e sistemas efetivos de pesos e contrapesos entre os poderes.

O almoço, organizado pelo Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), teve como mote os dez anos da criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), do qual o ministro foi presidente.

Na mesma mesa em que Gilmar estavam o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes (PMDB), o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, o ex-ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp, o presidente do Iasp, José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, e o professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) e diretor de políticas públicas do Google —que patrocinou o evento—, Marcel Leonardi. Também estava no encontro o principal representante do grupo Vem Pra Rua, Rogério Chequer, que defende o impeachment da presidente Dilma.

No discurso de apresentação de Gilmar, o presidente do Iasp citou fala do deputado Ulysses Guimarães, líder do MDB durante a redemocratização: "A vida pública brasileira será também fiscalizada pelos cidadãos [....], a moral é o cerne da pátria, a corrupção é o cupim da República. [...] Pôr na cadeia quem rouba, eis o primeiro mandamento da República".


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