O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) prevê que a crise política fará o PT encolher nos próximos anos, mas disse que o partido continuará ocupando espaço relevante na política brasileira.
"É um partido importante, é um partido necessário, que canaliza setores da sociedade que precisam ser canalizados", disse em entrevista à Folha. "Eu sou democrata, não tenho essa visão de que o PT tem que ser destruído."
O líder tucano disse que as revelações da Operação Lava Jato, que apontam repasses de dinheiro desviado da Petrobras para o PT, seriam suficientes para justificar um processo de cassação da legenda, mas afirmou que seria contra se a ideia fosse levada à Justiça Eleitoral.
Sobre a crise política atual, Fernando Henrique disse ainda que a presidente Dilma Rousseff fez um "pacto com o demônio" ao oferecer ministérios ao PMDB, seu maior aliado.
A seguir, trechos de sua entrevista:
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Folha - O PSDB votou novamente contra o fator previdenciário, criado durante seu governo para evitar desequilíbrios nas contas da Previdência. O partido agiu certo?
Fernando Henrique - O PSDB está entre a sua responsabilidade histórica frente ao país e o sentimento momentâneo de que quem sabe fosse o momento de aumentar as dificuldades do governo. Eu me coloco sempre no primeiro campo. Mas entendo que, quando chega a hora da votação, ali fica um fla-flu.
É a melhor estratégia?
O PSDB tem que olhar sempre o seu próprio interesse. Qual é o seu interesse? É chegar ao governo mais tarde. A cada passo que der agora, tem que ver se é indispensável, se o rumo está definido, e se podemos convencer a população de que isso é o correto a fazer.
Hoje, quem tem nomes presidenciáveis para o futuro é o PSDB. O PT teve um só, sempre, e continua com esse um, abalado. O PMDB ainda não tem, nenhum outro tem. Em tese, o PSDB tem boas chances de ganhar uma eleição no futuro. Então, é legítimo que o partido pense assim. O que não é legítimo é, por causa disso, evitar uma solução construtiva agora. Qualquer que ela seja.
Se a presidente Dilma Rousseff for afastada do cargo e o vice Michel Temer assumir, o jogo muda no dia seguinte. O PT passaria para a oposição, o PSDB estaria dividido, e muitos no PMDB começariam a pensar na reeleição de Temer.
Aí é da vida política. Sempre vai ser assim, e tem que lidar com isso. Você tem que ter uma maioria consolidada não só no Congresso, mas na população. O problema da Dilma é que ela perdeu a da população e está perdendo no Congresso. Dilma tem oposição até do PT hoje. Setores do partido estão contra a política econômica. Enfim, vai ter oposição sempre.
Na véspera do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, as manifestações nas ruas eram mais intensas do que as vistas contra Dilma até agora. O que isso significa?
A sociedade mudou também. A rua naquele tempo era a rua que os partidos levavam. Os partidos controlavam os sindicatos. Hoje você vê que a capacidade de qualquer partido, de levar a rua é menor. O povo vai para a rua sozinho. Eles foram à rua, várias vezes, e poderão voltar daqui a pouco.
O que acha da maneira como o PSDB lida com os novos movimentos que organizaram as manifestações contra Dilma?
Todos os partidos têm dificuldade para lidar com esses novos movimentos. Não adianta você ter a ideia de que vai controlá-los, porque não vai. Eles têm dinâmica própria. É um longo aprendizado da sociedade, como é que ela funciona com esses novos mecanismos de conexão.
Os partidos têm dificuldade. Por exemplo, porque não se fazem diretórios virtuais? Numa cidade como São Paulo, alguém vai sair de casa para uma reunião de diretório na Conchinchina? Não. Pela internet você junta aí imediatamente milhares de pessoas. Qualquer um. Tenho quase 500 mil seguidores [no Facebook]. Então, quer fazer uma manifestação, é mais fácil, você fala ali direto.
Acha que as redes sociais têm contribuído para a radicalização do discurso dos políticos?
Se eles forem guiados por essas mídias, sim. Mas não vão ser. As pessoas têm noção do que significa a rede e do que significa a decisão institucional. Nós precisamos agora de uma concertação institucional, e a rede não tem tomada para ligar com esse tipo de coisa.
Outro dia estava conversando com o [prefeito] Fernando Haddad. Me convidou para ir ao teatro. Eu fui, de propósito. É um momento que tem que mostrar. Não dá para você transferir para o plano pessoal as suas discordâncias políticas. Aqui está havendo um acirramento, que eu acho que não se deve alimentar.
É verdade que isso foi gerado pelo acirramento que o PT sempre fez. Comigo era um inferno. Quando eu era presidente, a vida inteira. Eu nunca reagi em termos pessoais. Mas acho que é preciso dar sinais de civilidade. Você não pode cair no jogo da não-democracia. Não pode tratar o adversário como inimigo.
O que esperar do PT de volta à oposição?
Como sempre se comportou. A oposição do PT a mim foi feroz, sistemática. Acontece que hoje isso está diminuído. E isso tinha uma expressão que tinha um símbolo, que era o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula [da Silva]. O Lula está destruindo a simbologia dele próprio.
O PT é um partido importante, é um partido necessário, que canaliza setores da sociedade que precisam ser canalizados. Eu sou democrata, não tenho essa visão de que o PT tem que ser destruído.
Pela lei, tudo que foi feito pelo PT [no esquema de corrupção da Petrobras] era motivo de cassação da legenda. Agora, eu seria contrário. Você tem que democratizar esses partidos. E eles avançaram muito no sentido da democracia na verdade, de aceitar o jogo. Então eu não tenho essa ilusão destrutiva.
Vou mais longe. Um partido como o PSOL. Não acho que deva ser eliminado, ele é um pedaço do Brasil que pensa isso. O pior é os que não são partido e têm legenda. Esses sim são mais nocivos, porque é o cupim da democracia. Aí vem a corrupção e não sei quê. O PT entrou um pouco nessa coisa de corrupção também, mas o fato é que ele não é só isso. O PSDB entende isso.
O governador Geraldo Alckmin disse outro dia que teme o risco de uma convulsão social se um pedido de impeachment for aceito sem motivo muito convincente. Concorda?
Motivo convincente em qualquer hipótese precisa ter. Mas não acho que estejamos à beira de uma convulsão social. As reações mais fortes ocorrem quando a situação é melhor, não quando é pior. Politicamente falando, quer dizer. Quando a situação econômica é muito ruim, como agora, as pessoas querem é assentar as suas vidas e assentar o rumo, não querem tumultuar. Quando você está numa situação de mais folga, aí sim.
Tem o famoso estudo sobre a Revolução Francesa. Quando é que ela ocorreu? Depois de dez anos de inclusão. Não foi no momento de maior penúria. Estamos agora num momento onde dificilmente as pessoas quererão outra coisa a não ser uma saída.
Líderes do PMDB como os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Renan Calheiros (AL), são alvo de inquéritos da Operação Lava Jato. Isso pode atrapalhar a formação de um novo governo em caso de impeachment?
Isso é verdade. Acho que é responsabilidade do Supremo [Tribunal Federal] e do procurador-geral [da República]. O [juiz Sergio] Moro está fazendo o que tem que fazer. Não está demorando. Mas não pode ficar indefinidamente.
Por outro lado, qual é o limite da investigação? Enquanto tiver algo de novo para mostrar, vai ter que mostrar. Então a verdade é que isso vai levar tempo. Não é dois meses. É mais tempo.
Sempre houve corrupção e sempre haverá. Mas isso é um desvio pessoal de conduta. Aqui não é isso. É uma organização sob as bênçãos políticas, da corrupção, que afeta setores do Estado, Petrobras, Eletrobras e o que seja, que tira os recursos para pessoas e para partidos. Com objetivo político. Isso é novo. Isso é grave.
Porque não é a corrupção de A, B, ou C. A atribuída ao [ex-presidente Fernando] Collor, era o Collor e um grupinho. Não afetava um partido, não vinha para um partido. O poder não dependia daquilo. Agora sim.