Folha de S. Paulo


Veto a doações privadas é golpe petista, vota ministro Gilmar Mendes

Alan Marques - 9.set.15/Folhapress
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O ministro Gilmar Mendes, vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral e integrante do STF

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes votou nesta quarta-feira (16) contra a proibição do financiamento privado de campanhas eleitorais. Em um longo voto –foram mais de quatro horas–, o ministro indicou que o veto a doações privadas representa uma golpe na democracia com o objetivo de manipular o Supremo para perpetuar o PT no poder.

Após o voto, o julgamento foi suspenso em meio a um desentendimento entre o ministro e o presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, e deve ser retomado nesta quinta (17).

Segundo Mendes, o partido conseguiu manobrar a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), autora da ação que questiona a legalidade das doações privadas para candidatos e partidos, para defender a restrição e com isso asfixiar a alternância de poder, decretando a falência da oposição.

O ministro disse que o PT é contra as transferências de empresas porque foi mentor do esquema de corrupção da Petrobras e se beneficiou dos desvios da estatal: "Ou seja, sem novos pixulecos [gíria utilizada pelo ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, para se referir a propina, segundo investigações da Lava Jato], o partido teria condições de financiar, só com o valor já desviado, eleições presidênciais até 2038".

"A vedação das contribuições de empresas privadas asfixiaria os partidos que não se beneficiaram do esquema criminoso revelado pela Operação Lava Jato, tornando virtualmente impossível a alternância de poder. [...] O que se pretende é que esta Suprema Corte atue à revelia do Congresso Nacional, que tem resistido a tais investidas", afirmou.

Para ele, a proposta da OAB de vetar doações privadas e liberar um limite de doação para pessoas físicas "significa criminalizar o processo político-eleitoral no Brasil, além de ser um convite à prática reiterada de crimes de lavagem de dinheiro" e é fruto de uma conspiração.

"O que houve, portanto, foi a absorção de um projeto de poder, defendido por um partido que já se confundia com o Estado brasileiro, por parte da sociedade civil organizada, no caso pela OAB", avaliou.

Ele disse que chama atenção a conversão do PT a favor do financiamento público.

"O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas agora, como madre Tereza de Calcutá, defende o fim do financiamento privado. O partido consegue captar recursos na faixa dos bilhões de reais por contratos com a Petrobras e passa a ser o defensor do fim do financiamento privado de campanha. Eu fico emocionado, me toca o coração", ironizou.

Mendes sustentou ainda que liberar o financiamento público vai aumentar o caixa dois e a lavagem de dinheiro, além de dificultar a fiscalização das contas partidárias em doações de pessoas físicas.

O ministro apontou que cabe ao Congresso definir o modelo de financiamento de campanhas e que, sem dinheiro privado, o gasto público com campanha aumentará e será difícil explicar isso à população.

Mendes afirmou que, nas eleições de 2014, um total de R$ 55,6 milhões em doações ao partido foram repassados de empresas investigadas na Lava Jato. A suspeita da Polícia Federal e do Ministério Público é que as doações serviram para maquiar recursos desviados da Petrobras.

"O partido é vanguardista e já instalou o financiamento público de campanha antes de sua aprovação, com recursos de estatais diretamente para o partido", provocou.

Mendes afirmou que o mensalão –esquema de desvio de recursos públicos para compra de apoio político no Congresso no início governo Lula– "foi rebaixado no rating soberano dos escândalos, sendo que Lava Jato tem "quadro potencialmente mais sombrio".

Ele disse que o slogan petista "A Petrobras é Nossa" se deveu ao fato de que a estatal foi apropriada para o esquema e voltou a dizer que corrupção é um modo de governança do PT e não apenas um sistema para financiar campanhas.

O ministro chegou a citar a morte do ex-prefeito Celso Daniel teve relação com corrupção e financiamento de campanha.

Ministro mais antigo do STF, Celso de Mello fez uma intervenção, afirmando que é preciso "conferir maior eficácia aos instrumentos de controle em ordem e neutralizar essas situações de abuso".

"O problema é muito menos (....) das regras atacadas e muito mais nas condutas desviantes que culminam por deforma-las por subverte-las atingindo ilícitos", afirmou.

CONFUSÃO

Após o voto, o julgamento foi suspenso em meio a um desentendimento entre Gilmar Mendes e o presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, e deve ser retomado nesta quinta (17).

O mal-estar foi provocado pelo pedido da OAB para rebater as acusações de Mendes de que a entidade foi envolvida numa conspiração petista. Lewandowski decidiu conceder a palavra ao secretário-geral da OAB, Claudio De Souza Neto, mas Gilmar reagiu e disse que não fazia sentido a intervenção da entidade, já que não deveria ser rebatido por advogado.

"Só que eu sou ministro da Corte e advogado é advogado", disparou.

O presidente do STF reagiu e até lembrou que o voto de Gilmar durou mais de quatro horas e, portanto, seria importante ouvir a entidade. "O advogado representa OAB e merece, tem direito à palavra", respondeu.

"Vossa excelência pode deixar ele falar por dez horas, mas não fico...", devolveu Mendes, deixando o plenário antes do fim da sessão.

Com o gesto do colega, Lewandowski afirmou: "quem preside a sessão sou eu, ministro".

Depois do episódio, o secretário-geral da OAB negou que a entidade tenha sido instrumentalizada pelo PT e citou que o comando da instituição na época em que a ação foi protocolada era crítica ferranha às gestões petistas.

"A OAB não tem partido e tem uma história secular no Brasil e todos conhecem sua isenção em relação aos diversos partidos que disputam a preferência do eleitorado", disse Souza Neto. "Esperamos que o financiamento privado, que está numa relação promiscua de políticos, administradores e empresários, seja definitivamente extirpado da vida brasileira", completou.

MUDANÇA

O tom do voto do ministro foi interpretado por integrantes do tribunal como pressão para que colegas façam ajuste em seus votos, podendo apoiar as doações privadas. O STF O Supremo já tem maioria (6 dos 11 votos) para vetar doações de empresas em campanhas eleitorais, que representam os principais financiadores de candidatos e partidos.

A ação da OAB começou a ser discutida em dezembro de 2013, mas foi interrompido por duas vezes. Além de Gilmar, Teori Zavascki também defendeu a manutenção do financiamento privado.

O ministro Luís Roberto Barroso votou pela inconstitucionalidade da legislação atual, mas disse em seu voto que cabe ao Congresso definir se as empresas podem ou não participar do processo eleitoral, impondo restrições para inibir abusos e corrupção.

Durante sua fala nesta quarta, Gilmar falou que muita coisa sobre a Lava Jato surgiu desde a última sessão do julgamento e que se confirmada a tendência do tribunal pela proibição representa um convite à criminalização das campanhas eleitorais, prestes a ser chancelado pelo STF. "Esse pedido de vista teve a mão de Deus", disse o ministro ao justificar porque interrompeu o caso por mais de um ano e cinco meses.

Ainda faltam os votos dos ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.

O julgamento terá ainda influência em parte da reforma política aprovada pelo Congresso e que ainda depende de sanção de Dilma. O texto colocou como limite para doação de R$ 20 milhões de empresas.

Se o Supremo concluir pela inconstitucionalidade de contribuição de empresa, Dilma poderá usar o resultado para vetar a lei aprovada na Câmara dos Deputados que permite o financiamento privado das campanhas.


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