Omitir supostos crimes relacionados ao ex-ministro José Dirceu e ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), vai custar uma pequena fortuna ao executivo Julio Camargo, um dos delatores da Operação Lava Jato.
A força-tarefa de procuradores que investiga desvios na Petrobras quer que ele pague R$ 10 milhões a mais por cada uma de três omissões, todas consideradas graves.
Como Camargo aceitou pagar uma multa de R$ 40 milhões ao celebrar o acordo de delação, a conta final pode chegar a R$ 70 milhões.
Camargo ficou famoso entre os delatores por ter escondido inicialmente dos investigadores que dera US$ 5 milhões ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) –o que o parlamentar sempre negou.
Ele fez um acordo de delação em outubro do ano passado, mas só falou do suposto repasse em julho deste ano, quando a Procuradoria-Geral da República ameaçou romper o trato com ele.
O valor seria de propina sobre a compra de dois navios-sonda pela estatal, um negócio de mais de US$ 1 bilhão. Camargo alegou que sofrera ameaças de Cunha para omitir a doação ilícita, o que o deputado também nega.
Havia outros dois fatos omitidos na delação de Camargo, segundo o procurador Carlos Fernando Lima. Camargo escondera que repassara R$ 4 milhões a José Dirceu e que vendera 1/3 de um avião Cessna ao ex-ministro por R$ 1,07 milhão.
A REVELAÇÃO
O repasse dos R$ 4 milhões só foi revelado à Justiça em julho, nove meses depois dos primeiros depoimentos de Camargo. Ele só não contou a origem dos recursos. Eram parte da propina paga por duas empresas que fornecem mão de obra terceirizada à Petrobras, a Hope e a Personal, segundo investigadores.
Outro delator da Lava Jato, Milton Pascowitch, ajudou os procuradores a desvendar as omissões. Ele contou que a Hope RH e a Personal pagavam R$ 800 mil mensalmente a Dirceu. Em troca, as empresas eram privilegiadas quando a Petrobras precisava de mão de obra terceirizada, segundo Pascowitch.
Desde 2006, Hope e Personal têm contratos com a estatal que somam R$ 6,4 bilhões –elas negam irregularidades.
Pascowitch contou que passou a fazer essa tarefa depois que Dirceu desconfiara que Camargo embolsava parte do suborno que deveria repassar ao ex-ministro.
Pascowitch revelou a compra do avião porque fora ele que pagara Camargo. Ele adquiriu 1/3 da aeronave em julho de 2011, na época do mensalão, quando o ex-ministro passou a ser hostilizado em voos de carreira.
Dirceu desistiu do avião porque jornalistas descobriram que ele passara a usar a aeronave. Pesou também na decisão o fato de o avião ter pertencido ao ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira e ter sido adquirido em uma transação com características de lavagem de dinheiro.
Ao homologar o acordo de delação do executivo, o juiz federal Sergio Moro escreveu que, "apesar da relevância da colaboração, não foi Julio Camargo verdadeiro desde o início" e fixou a pena em cinco anos de prestação de serviços. Se tivesse contado tudo, a pena seria de três anos.
OUTRO LADO
O advogado de Julio Camargo, Adriano Bretas, diz que a posição da defesa é inflexível: "Não vamos arredar pé em nenhum milímetro na multa". Segundo ele, "o próprio juiz já reconheceu a higidez do acordo e a justificativa dada pelo nosso cliente".
Nos acordos de delação, o juiz analisa se as normas legais foram seguidas no trato. Os procuradores podem renegociar o valor da multa, estabelecida no caso de Camargo em R$ 40 milhões.
A defesa de José Dirceu nega que ele tenha recebido R$ 4 milhões de Camargo. Sobre o avião, a assessoria do ex-ministro afirma que o advogado de Dirceu só vai prestar esclarecimentos sobre a questão quando convocado pelo juiz.
O advogado do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Antonio Fernando de Souza, diz que neste momento não comenta nenhuma acusação a seu cliente porque está preparando a defesa dele.
A Hope diz em nota que "que sempre colaborou e continuará colaborando com as autoridades" e que, ao final das apurações, tudo será esclarecido.
A Personal Service afirma que só se manifestará sobre as apurações após seus advogados terem pleno acesso às investigações da Lava Jato.
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IDAS E VINDAS DE JULIO CAMARGO
Lobista omitiu fatos em sua delação e deu novas informações após a Procuradoria ameaçar romper o trato
Alan Marques/Folhapress |
EDUARDO CUNHA
Camargo não informou em outubro, mas disse em seu depoimento de março, que pagou US$ 5 milhões ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como propina sobre a compra de dois navios-sonda pela Petrobras, negócio de mais de US$ 1 bilhão
Hedeson Alves/Efe |
JOSÉ DIRCEU
Julio Camargo revelou apenas em julho, e não no seu primeiro depoimento, duas informações em relação ao ex-ministro: que repassou a ele R$ 4 milhões (que seriam parte da propina paga por duas fornecedoras da Petrobras) e que vendera a Dirceu um terço de um avião Cessna por R$ 1,07 milhão