Folha de S. Paulo


Comissão revela responsáveis por atentado a bomba na OAB em 1980

Lewy Moraes/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, BRASIL, 27-08-1980: SA sede da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), no Rio de Janeiro, após a explosão da carta-bomba que causou a morte da secretária Lyda Monteiro da Silva. (Foto: Lewy Moraes/Folhapress)
Cenário na sede carioca da OAB após explosão de bomba em 27 de agosto de 1980

Após dois anos de investigações, a Comissão Estadual da Verdade (CEV), do Rio, apontou nesta manhã de sexta (11), os responsáveis por um crime de 35 anos: a explosão de uma bomba na sede do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no centro da capital fluminense, em 27 de agosto de 1980.

De acordo com a CEV, os responsáveis pela bomba foram um coronel e dois sargentos, militares do CIE (Centro de Informações do Exército). O líder do grupo teria sido o coronel Fred Perdigão, já morto. O responsável por entregar a bomba à Lyda Monteiro da Silva, secretária do Conselho Federal da Ordem, foi, segundo a comissão, o sargento Magno Cantarino Mota. O militar usava o codinome agente Guarany.

O terceiro militar, segundo a CEV, foi o sargento Guilherme Pereira do Rosário, morto em 1981 na explosão de uma bomba que ele colocaria no Riocentro. A detonação acabou acontecendo no estacionamento do centro de convenções.

Em conversas com os integrantes da CEV, o sargento Magno Mota, único ainda vivo, não admitiu ter entregue a bomba caseira na OAB. O militar mora na zona oeste do Rio e não foi encontrado pela Folha para comentar a informação da comissão. O Exército não irá comentar o caso.

Segundo a presidente da CEV, a advogada Rosa Cardoso, e o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), ex-presidente da comissão, os depoimentos de quatro testemunhas ajudaram o grupo a chegar ao plano e ao militar. As testemunhas relataram a participação de cada um e ainda identificaram o sargento Magno Mota por meio de fotografias.

O depoimento informa que o sargento estava no local da explosão do atentado ao Riocentro, na zona oeste do Rio, no ano seguinte à explosão da OAB.

A EXPLOSÃO

Na ocasião, dona Lyda, como era conhecida, então com 59 anos, havia acabado de almoçar. Foi então avisada que um homem, de cabelo encaracolado e cerca de 30 anos, esperava por ela com um envelope para o presidente do conselho federal da Ordem, Eduardo Seabra Fagundes.

Após entregar o envelope, o rapaz pegou o elevador e foi embora. Foi o tempo da secretária abrir a correspondência que explodiu em seu colo. Apesar de socorrida, Lyda Monteiro da Silva morreu à caminho do hospital.

"Já vi meus filhos estudarem o caso da OAB, no ensino médio, sem que os professores apresentassem a solução. Agora, os meus outros pequenos, de 5 e 8 anos, poderão saber o que realmente aconteceu quando chegar na hora deles", disse o advogado Luiz Felippe Monteiro, filho de dona Lyda.

Entre as testemunhas que auxiliaram na identificação, uma delas reconheceu, por meio de fotos, sargento Magno Cantarino Mota como o homem que entregou o envelope à secretária.

O nome desta testemunha é mantido sob sigilo pelos integrantes da comissão. Segundo eles, sua família teme por represálias de ex-militares.

"Esse caso era uma questão de honra pra mim. O inquérito sobre a morte foi uma farsa. Conversei com os investigadores da Polícia Federal que me relataram que as apurações foram acompanhadas por militares do Exército", disse o deputado federal Wadih Damous.

O inquérito da PF apontou o americano Ronald Waters como responsável por planejar e explodir a bomba na sede do Conselho Federal da OAB.

"Estamos aqui sem ressentimento. É importante que essas pessoas, essas autoridades sejam identificadas. Não estamos pedindo a punição de ninguém", afirma a presidente da comissão, a advogada Rosa Cardoso, que integrou a Comissão Nacional que encerrou seus trabalhos em 2014.

Em nota, o presidente da OAB nacional, Marcus Vinicius Furtado Carvalho, classificou a revelação da comissão como "um encontro do Brasil com a sua história". Confira abaixo a íntegra da nota:

"Um encontro do Brasil com a sua história. Os nossos filhos agora poderão ler por completo esse pesar passado do país, a lembrar que jamais podemos admitir retorno à regimes de ditaduras. Nunca mais a voz única do autoritarismo. Queremos o respeito à pluralidade e a diferença, a convivência sem ódio e sem rancor. A intolerância não constrói uma nação justa e fraterna. A democracia pressupõe a liberdade. Para os males da democracia, apenas um remédio: mais democracia. A bomba, mesmo que dirigida ao presidente da OAB Nacional, foi lançada contra a sociedade brasileira, contra os valores democráticos e acabou por vitimar fisicamente dona Lyda Monteiro. O triste episódio acabou por fortalecer a sociedade brasileira, que lutou ainda mais duramente para a aprovação de uma constituição da República. Defender as garantias constitucionais é a melhor forma de homenagear a história de dona Lyda Monteiro e consolidar a democracia."


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