Folha de S. Paulo


Procuradoria fez acareação para confirmar pressão de Cunha por propina

A Procuradoria-Geral da República realizou uma acareação entre o lobista Júlio Camargo e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, ambos delatores da Operação Lava Jato, para tentar comprovar o vínculo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o esquema de corrupção da Petrobras.

Os investigadores colocaram os delatores frente a frente, em junho, para saber se Camargo procurou Paulo Roberto pedindo um encontro urgente com o então ministro de Minas e Energia e atual senador Edison Lobão (PMDB-MA) para tratar de requerimentos apresentados por Cunha na Câmara que teriam o objetivo de pressionar pelo pagamento de propina do esquema.

A informação consta da denúncia contra o parlamentar, protocolada nesta quinta-feira (20) no STF (Supremo Tribunal Federal) pela PGR, na qual o deputado foi acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Segundo a Procuradoria, na acareação Paulo Roberto Costa confirmou a reunião relatada por Julio Camargo.

De acordo com os relatos, Julio Camargo foi no dia 31 de agosto de 2011 ao gabinete de Paulo Roberto Costa, no Rio, pedir a reunião com Lobão, que acabou ocorrendo naquele mesmo dia, na base aérea do aeroporto Santos Dumont, onde o então ministro iria decolar para Brasília.

Na ocasião, Camargo teria reclamado a Lobão sobre dois requerimentos patrocinados por Cunha na Câmara dos Deputados que pressionavam empresa representada por Camargo. Segundo o relato, Lobão comentou: "Isto é coisa de Eduardo [Cunha]", tendo ligado para o deputado, chamando-o para uma reunião.

Em seguida, diante de Camargo, o ministro teria telefonado para o deputado e indagado: "Você enlouqueceu?".

A PGR detectou na agenda de Lobão que ocorreu de fato uma reunião com Cunha no gabinete do ministro, mas só no dia 22 de setembro, às 14h30. Essa reunião não consta na agenda divulgada na internet pelo ministro, que só mostra "despachos internos" no referido dia.

Lobão também é investigado no STF por ligação com a Lava Jato.

REQUERIMENTOS

Janot escreveu que ficou comprovado na investigação que Eduardo Cunha foi o verdadeiro autor de dois requerimentos protocolados na Câmara dos Deputados em 2011 por Solange Almeida, então deputada e hoje prefeita de Rio Bonito (RJ).

Segundo o doleiro Alberto Youssef e Camargo disseram em seus acordos de delação premiada, o objetivo dos requerimentos era pressionar Camargo para que ele pagasse propina a Cunha e Baiano.

Em abril, a Folha revelou que o nome de Cunha aparecia como autor dos arquivos de computador em que foram redigidos os requerimentos protocolados por Solange. Semanas depois, o Ministério Público Federal realizou diligências na Câmara para fazer cópias do material.

O delator Camargo disse que, depois de saber dos requerimentos, procurou manter um encontro pessoal com Cunha, o que ocorreu em setembro de 2011. Na reunião, segundo Camargo, Cunha foi "irredutível" e teria dito: "Eu não sei da história e nem quero saber. Eu tenho um valor a receber do Fernando Soares e que ele atrelou a você".

Camargo disse que Cunha nesse momento "solicitou expressamente a quantia de US$ 5 milhões".

Segundo a denúncia, o deputado recebeu "ao menos" US$ 5 milhões pagos por um operador, Júlio Gerin Camargo, por meio do lobista Fernando Soares, o Baiano. Os pagamentos ocorreram, ainda de acordo com a PGR, entre 2007 e 2012, após o fechamento de contratos entre a Petrobras e a Samsung Heavy Industries, da Coreia do Sul, para fornecimento de dois navios-sondas para a estatal do petróleo.

Os contratos tiveram o valor total de US$ 1,2 bilhão.

A investigação da PGR e da Polícia Federal confirmou trechos das declarações prestadas por Camargo, como encontros no Rio em que o delator teria relatado as pressões de Cunha. Porém, não conseguiu identificar contas bancárias controladas diretamente por Cunha que teriam sido beneficiadas com os repasses de Baiano. Para a PGR, os indícios foram suficientes para a denúncia.

IGREJA

Segundo Janot, Cunha era "sócio oculto" de Baiano e "o destinatário final da propina paga". Parte dos valores teria sido paga à Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Rio a partir de orientações de Baiano.

Duas empresas de Camargo, Piemonte e Treviso, fizeram transferências para as contas da greja no valor total de R$ 250 mil em 31 de agosto de 2012.

A PGR diz que é "notória" a vinculação de Cunha com a igreja. "Foi nela inclusive que Cunha celebrou a eleição para presidência da Câmara dos Deputados, conforme amplamente divulgado na imprensa", diz a denúncia da PGR.

Conforme a denúncia, Camargo não havia feito doações à igreja, "nunca frequentou referida igreja e professa a religião católica".

Denunciado pela Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o presidente da Câmara nega ligação com o esquema e acusou o governo de estar por trás das denúncias que o envolvem em crimes investigados na Lava Jato.

Cunha nega os crimes. Nesta sexta, disse que não irá retaliar "quem quer que seja" e reiterou que não há "a menor possibilidade" de renunciar ao cargo que ocupa.


Endereço da página:

Links no texto: