Folha de S. Paulo


Lava Jato prende ex-vereador do PT e investiga contrato do Planejamento

A Polícia Federal deflagrou nesta quinta-feira (13) mais uma fase da Operação Lava Jato e passou a investigar um contrato para fornecimento de crédito consignado a servidores federais intermediado pelo Ministério do Planejamento.

Essa 18ª fase foi intitulada Pixuleco 2, por ser uma continuidade da etapa anterior.

De acordo com a PF, a Consist Software, empresa envolvida na Lava Jato, ficou responsável pela gestão de empréstimos consignados concedidos a servidores federais, que foram acordados com a Associação Brasileira de Bancos pelo Ministério do Planejamento.

O contrato foi firmado em 2010, quando Paulo Bernardo era ministro da pasta.

A Consist, ainda segundo os investigadores, repassava 40% do valor que recebia do negócio a empresas indicadas por Alexandre Romano, advogado e ex-vereador do PT em Americana (SP) preso nesta quinta pela Lava Jato, e pelo lobista Milton Pascowitch.

Romano foi detido no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e será levado à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, quartel-general da Lava Jato.

O esquema teria movimentado R$ 52 milhões.

Algumas dessas empresas que recebiam o dinheiro desviado eram de fachada; outras, recebiam sem a efetiva prestação de serviços. Os investigadores afirmam que entre as empresas que emitiam "notas ideologicamente frias" estão escritórios de advocacia.

Dos dez mandados de busca e a apreensão cumpridos nesta quinta pela PF estão quatro escritórios de advocacia. Dois deles, em Curitiba, costumam prestar serviços ao PT.

Um é o escritório do advogado Guilherme Gonçalves. Ele é um dos principais especialistas do Paraná em Direito Eleitoral e atuou como advogado de Gleisi Hoffmann (PT-PR) nas campanhas de 2008, 2010 e 2014, e também como coordenador jurídico da campanha de Ratinho Jr. (PSC-PR) à Prefeitura de Curitiba, em 2012.

Segundo a Folha apurou, o escritório enviou documentos à PF para comprovar que houver prestação de serviços não só em relação ao caso em questão, mas em outros, inclusive com interposição de ações.

Também foram cumpridos mandados de busca e apreensão em São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Curitiba. Um dos mandados de busca e apreensão atinge a empresa JD2 Consultoria, no Setor Hoteleiro, em Brasília.

ATÉ JULHO

Segundo o procurador Roberto Henrique Pozzobon, os investigadores chegaram até esse esquema após as oitivas realizadas com os gestores da Consist na fase anterior da operação –a que prendeu o ex-ministro José Dirceu.

O ex-secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento Duvanier Paiva Ferreira, morto no ano passado, teria recebido valores oriundos desse desvio.

"O esquema ocorreu até o mês passado", disse o delegado Igor Romário de Paula.

"Podemos estar diante de um novo modelo [de desvio e repasse de dinheiro]".

O procurador Pozzobon disse que a "audácia" dos envolvidos, realizando pagamentos meses após a Lava Jato ter sido deflagrada, justifica a manutenção das prisões preventivas efetuadas até agora.

"Com certeza esse esquema acontece em outros setores que ainda não foram identificados", afirmou o delegado federal Márcio Adriano Anselmo.

Infográfico - 18ª Fase da Operação Lava Jato

OUTRO LADO

O advogado Guilherme Gonçalves confirma que prestou serviços à Consist. "Eu tenho contrato, impetrei ação em Goiás, fiz parecer jurídico, fiz consultoria", disse à Folha. Segundo ele, o escritório deu assessoria jurídica à empresa, na área de Direito Administrativo, para o contrato das operações de crédito consignado.

Gonçalves afirma ter trocado e-mails e participado de reuniões com o diretor jurídico da Consist, Valter Pereira, e disse que recebia valores periodicamente em troca do serviço. Quem o indicou para o trabalho foi Alexandre Romano. No entanto, Gonçalves nega qualquer irregularidade."O que eu recebi está absolutamente nos termos do contrato, por serviços prestados", afirmou. "Cumpri meu papel de advogado."

O escritório informa ter fornecido à Polícia Federal os comprovantes de sua atuação, e disse estar em total cooperação com os investigadores. Em nota também destacou que não há ligações entre o antigo sócio de Gonçalves, o advogado Sasha Reck, e a Consist.

Reck, cujo escritório também foi alvo da operação, afirmou que compareceu espontaneamente à Polícia Federal para prestar esclarecimentos e forneceu documentos provando que nunca atendeu a Consist nem recebeu honorários da empresa.

"O escritório, na sua antiga composição, já mantinha clara divisão entre seus sócios, devido à notória especialização em áreas diferentes do direito, os quais possuíam carteiras próprias de clientes, sem comunicação, inclusive financeira, entre ambos", escreveu o advogado, em petição encaminhada à Justiça no final da manhã.

Alvo de um mandado de busca e apreensão em Porto Alegre, o Portanova Advogados Associados, afirma que seu escritório tinha a Consist como cliente, prestando serviços como de consultoria previdenciária e propositura de ação para reaver parte do FGTS depositado pela empresa (tese jurídica que questiona parte do fundo de garantia depositado pelas empresas e que vão para o governo, e não para o trabalhador), entre outras.

O advogado Daisson Portanova, do Portanova Advogados Associados, nega que tenha emitido notas frias em favor da empresa. "Temos contrato, notas fiscais e balancete que comprovam o serviço prestado, inclusive e-mails cobrando atrasos no pagamento", disse ele.

O PT de Americana informou que Romano deixou os quadros do partido em 2005 e que, no tempo em que ele esteve no partido, "nenhum tipo de denúncia houve".

"Portanto, as atividades particulares que estão sob investigação, período entre 2010 e 2015, não guardam qualquer relação com sua militância partidária no PT", informou a sigla.

PIXULECO

Na última fase da operação, chamada de Pixuleco –a forma como, segundo a PF, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto referia-se a propina– foi preso o ex-ministro José Dirceu. Para os investigadores, Dirceu é um dos responsáveis por criar o esquema de corrupção na Petrobras quando era ministro da Casa Civil, no primeiro governo Lula, e teve papel de comando nesse esquema.

Na mesma operação foram detidos Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão de José Dirceu e sócio dele na JD Consultoria, Roberto Marques, ex-assessor do petista, o lobista Fernando Moura, o irmão dele, Olavo de Moura, o empresário Pablo Kipersmit e o engenheiro da Petrobras Celso Araripe, que atuou como gerente de empreendimento da sede da estatal em Vitória, no Espírito Santo.

SIlva, Marques e Kipersmit foram soltos nesta quarta (12).

Os dois primeiros são investigados sob suspeita de terem feito transações com fornecedores da Petrobras em benefício do ex-ministro da Casa Civil.

Kipersmit, por sua vez, é apontado como responsável por um contrato de fachada para repasse de dinheiro ao PT e a seu ex-tesoureiro João Vaccari Neto, por meio do operador Milton Pascowitch (atualmente, delator da Lava Jato).

Todos negam irregularidades.

Marques e Olavo de Moura também já foram soltos.

(GABRIEL MASCARENHAS, NATUZA NERY, ESTELITA HASS CARAZZAI, BELA MEGALE, GRACILIANO ROCHA E PAULO MUZZOLON)


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