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Delator disse que havia omitido Cunha por temer retaliação contra sua família

Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, dá entrevista em que nega as acusações de Júlio Camargo
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, dá entrevista em que nega as acusações de Júlio Camargo

Delator na Operação Lava Jato desde dezembro, o consultor da Toyo Setal Júlio Camargo disse que vinha omitindo o nome do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em seus depoimentos sobre o escândalo na Petrobras por temer que o presidente da Câmara retaliasse a sua família.

"Todo homem que é responsável é obrigado a ter medo e receio. E uma pessoa que age não diretamente, e tem que ameaçar você através de terceiros, já é uma pessoa a quem deve se ter todo cuidado", disse Camargo em depoimento na tarde desta quinta (16) à Justiça Federal de Curitiba.

"Estamos falando de uma pessoa que, dizia ele, tinha o comando de 260 deputados no Congresso –e na eleição para líder do Congresso [presidente da Câmara dos Deputados], na minha opinião, isso se constatou", continuou.

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No mesmo depoimento, o executivo afirmou que pagou US$ 5 milhões em propina para o parlamentar.

O nome de Cunha surgiu quando o delator respondia ao juiz Sergio Moro se ele vinha sendo pressionado a pagar propina por meio de Fernando Soares, o Fernando Baiano, tido como operador do PMDB no esquema. Camargo contou que procurou o operador para intermediar um encontro com Cunha por causa de requerimentos apresentados na Câmara dos Deputados contra ele, Camargo, e contra a empresa Mitsui.

Pelo relato de Camargo, o peemedebista cobrou o valor para si quando afirmou haver um débito "entre você [Camargo] e o Fernando Baiano".

"Tivemos um encontro o deputado Eduardo Cunha, Fernando Soares e eu. Eu fui bastante apreensivo. O deputado Eduardo Cunha é conhecido como uma pessoa agressiva, mas confesso que comigo foi extremamente amistoso, dizendo que ele não tinha nada pessoal contra mim, mas que havia um débito meu com o Fernando do qual ele era merecedor de US$ 5 milhões", relatou Camargo.

Embora admita não ter recebido nenhuma ameaça diretamente, Camargo afirmou que tinha "receio" de alguma ação contra terceiros.

"[Cunha é] Uma pessoa de alto poder de influência. Meu maior receio, qual é? Família, porque quem age dessa maneira pode perfeitamente agir não contra você, mas contra terceiros. A pessoa que é pai de família sabe que machucar um ente querido é pior que machucar a você mesmo. E [Cunha tinha] o poder de influência contra os meus negócios e contra as minhas empresas", afirmou.

REQUERIMENTOS

No depoimento desta quinta, Camargo disse ainda que Cunha usou requerimentos na Câmara dos Deputados contra a empresa Mitsui, fornecedora da Petrobras, para pressioná-lo a pagar uma propina relativa a um contrato de navios-sondas da Petrobras.

Os requerimentos foram apresentados em 2011 pela então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), aliada de Cunha. O deputado sempre negou ser o autor desses pedidos.

A ligação do deputado com esses papéis é um dos principais elementos apontados pela Procuradoria-Geral da República para incluir Cunha entre os políticos suspeitos de participação no esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato na Petrobras.

Os requerimentos foram apresentados em 2011 pela então deputada Solange Almeida (PMDB-RJ). Eles pediam às autoridades informações sobre contratos da Petrobras com a Mitsui.

O doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Lava Jato, disse à Justiça que os requerimentos foram apresentados a mando de Cunha e que teriam o objetivo de pressionar um representante da empresa a retomar pagamentos de propina ao PMDB.

OUTRO LADO

Cunha disse nesta quinta que não se deixará ser "constrangido" e "fragilizado" pelo depoimento do consultor Júlio Camargo.

Em delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato, o executivo afirmou que pagou US$ 5 milhões em propina para o parlamentar.

O peemedebista afirmou ainda que não irá alterar a gravação já feita para o seu pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão que fará na noite desta sexta-feira (17).

"Não vou fazer isso porque eu estou me pronunciando como presidente da Câmara sobre as atividades da Câmara. Não estou me pronunciando para fazer alusão ou defesa de fatos pessoais. Na medida em que eu for exercer a rede nacional para falar de fatos pessoais, eu estou aqui, perante vocês. E aqui é o foro para eu poder me defender", disse, a jornalistas.

Questionado se poderia fazer uma acareação com Júlio Camargo para falar "olho no olho", Cunha afirmou que "fala com quem quer que for".

"Eu não tenho dificuldade nenhuma de rebater quem quer que seja. Ele está mentindo e o delator tem que provar sua mentira. O ônus da prova é de quem acusa", disse.

JANOT

Mais cedo, em nota, Cunha voltou a atacar o Procurador-Geral da República, responsável pelo pedido de investigação contra o deputado na Lava Jato.

O presidente da Câmara disse ser ''muito estranho'' o delator ter mudado a versão na véspera de seu pronunciamento em rede nacional e acusa Rodrigo Janot de ter articulado o depoimento.

''Que as ameaças ao delator tenham conseguido o efeito desejado pelo Procurador-Geral da República, ou seja, obrigar o delator a mentir'', disse.

Também em nota, A Mitsui afirmou que Júlio Camargo "nunca foi representante ou consultor em nenhum dos projetos da empresa".

"Em 2011, respondendo a um requerimento apresentado à Comissão de Inspeção e Controle da Câmara dos Deputados, o Tribunal de Contas da União (TCU) não identificou nenhuma irregularidade relacionada aos contratos da Mitsui & Co. com a Petrobras", afirmou.

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Confira, na íntegra, a nota de Cunha.

Com relação à suposta nova versão atribuída ao delator Júlio Camargo, tenho a esclarecer o que se segue:

1- O delator já fez vários depoimentos, onde não havia confirmado qualquer fato referente a mim, sendo certo ao menos quatro depoimentos.

2- Após ameaças publicadas em órgãos da imprensa, atribuídas ao Procurador-Geral da República, de anular a sua delação caso não mudasse a versão sobre mim, meus advogados protocolaram petição no STF alertando sobre isso.

3- Desminto com veemência as mentiras do delator e o desafio a prová-las.

4- É muito estranho, às vésperas da eleição do Procurador Geral da República e às vésperas de pronunciamento meu em rede nacional, que as ameaças ao delator tenham conseguido o efeito desejado pelo Procurador Geral da República, ou seja, obrigar o delator a mentir.


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