Folha de S. Paulo


Para juiz, críticas de Dilma a delatores ofendem o STF

Paulo Lisboa/Folhapress
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, em chegada ao IML para exame após ser preso na Lava Jato
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, chega ao IML para exame após ser preso na Lava Jato

O juiz Sergio Moro, que conduz os processos da Operação Lava Jato no Paraná, rejeitou as críticas feitas pela presidente Dilma Rousseff aos delatores do esquema de corrupção descoberto na Petrobras, classificando seus comentários como "inapropriados" e "ofensivos" para o Supremo Tribunal Federal.

Moro se manifestou sobre as declarações da presidente sem mencionar o nome de Dilma, no final de um ofício divulgado nesta quarta-feira (8) em que defendeu a manutenção da prisão preventiva do empresário Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba sob suspeita de envolvimento com o esquema de corrupção.

"Mesmo juízo de inconsistência cabe às equiparações inapropriadas entre 'prisão cautelar' e 'tortura' ou entre 'criminosos colaboradores' e 'traidores da pátria'", escreveu Moro. "Não há como este Juízo ou qualquer Corte de Justiça considerar argumentos da espécie com seriedade."

Dilma criticou os delatores na semana passada, durante viagem oficial aos Estados Unidos, ao ser perguntada por jornalistas sobre os depoimentos do empreiteiro Ricardo Pessoa, que passou a colaborar com as investigações da Lava Jato e lançou suspeitas sobre o financiamento da campanha de Dilma à reeleição no ano passado.

Dilma comparou os delatores ao traidor da Inconfidência Mineira, Joaquim Silvério dos Reis, e a presos políticos que entregaram companheiros após sofrer tortura na ditadura militar. Em entrevista à Folha nesta semana, ela repetiu as críticas. "Não gosto de delatores", disse. "Não gosto desse tipo de prática."

No ofício desta quarta, o juiz Moro lembrou que a delação de Pessoa foi homologada pelo STF. "São eles [os comentários sobre Silvério e a ditadura], aliás, ofensivos ao Egrégio Supremo Tribunal Federal que homologou os principais acordos de colaboração, certificando-se previamente da validade dos pactos e da voluntariedade dos colaboradores", escreveu o juiz.

Advogados que defendem pessoas investigadas pela Lava Jato têm usado argumentos semelhantes ao de Dilma para acusar Moro e os procuradores que conduzem as investigações de prender os suspeitos para coagi-los a fechar acordos de colaboração.

No pedido de habeas corpus de Marcelo Odebrecht, a defesa acusa o juiz Sergio Moro de usar a prisão cautelar como "retaliação" a quem prefere defender a própria inocência a se tornar delator.

O instituto da colaboração premiada, em troca de redução de pena, disciplinado por lei sancionada pela própria Dilma em 2013, é descrito pelos advogados de Marcelo Odebrecht como a "chave de entrada e de saída da cadeia".

No ofício ao juiz Nivaldo Brunoni, relator do pedido de libertação do empresário no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Moro também refutou essa alegação.

"Quanto à insistência do impetrante [Odebrecht] de que a prisão se faz para obter confissão, repudio essas afirmações", disse. "Não passa de argumento retórico da defesa e que é inconsistente com a realidade do processo."

O pedido de habeas corpus de Marcelo Odebrecht e os de outros executivos presos com ele em junho deverão ser julgados na próxima semana.

Moro reafirmou em seu despacho sua convicção de que as evidências que ligam a Odebrecht ao cartel de empreiteiras que teria participado do esquema de corrupção tornam inverossímil a alegação da defesa de que Marcelo Odebrecht se mantinha "olimpicamente afastado" do dia-a-dia da sua empresa.

Ele citou e-mails encontrados nos computadores da Odebrecht que mostram o executivo discutindo com os subordinados um contrato de sondas para exploração do pré-sal, além de depoimentos de delatores do esquema que citam a Odebrecht como participante do esquema.

OUTRO LADO

Em nota, a Odebrecht voltou a afirmar que nunca ofereceu nem pagou propina. O grupo afirma que o juiz Sergio Moro realiza "pré-julgamento" baseado em desconhecimento da estrutura do conglomerado, com mais de 100 empresas.

"O tamanho do grupo por si só já torna impossível que seu Diretor Presidente possa comandar de perto tantos assuntos", disse a empresa, via nota da assessoria.


Endereço da página:

Links no texto: