Folha de S. Paulo


Governo prepara novas medidas para ampliar ajuste fiscal, diz Dilma

A presidente Dilma disse à Folha que "vai fazer o diabo" para que a recessão econômica seja a menor possível neste ano e revelou que o governo prepara medidas fiscais para compensar as mudanças feitas pelo Congresso no pacote elaborado por sua equipe econômica para reequilibrar as contas.

Afirmando que "nunca imaginou" que a economia brasileira poderia ter uma retração acima de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste primeiro ano do seu segundo mandato, a presidente afirmou: "Até o final do ano vou fazer o diabo para fazer a menor [recessão] possível. Já virei um pouco caixeiro viajante, vou continuar".

Logo depois da entrevista à Folha, ela reuniu-se com líderes de centrais sindicais para assinar medida provisória lançando o Programa de Proteção ao Emprego, uma das iniciativas para reduzir os impactos negativos da recessão na economia.

Durante a entrevista concedida à Folha, a presidente admitiu que seu ajuste "gera um pouco de desemprego". E disse que a saída da Grécia da União Europeia não é boa para ninguém.

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Folha - Presidente, não dá para imprimir no ajuste fiscal o ritmo da sua dieta Ravenna para ser mais rápido e menos doloroso?

Dilma Rousseff - Somos uma democracia. Precisamos aprovar o ajuste fiscal no Congresso, tem um ritual democrático de direito. Não podemos achar que sai daqui, vai para lá e acabou.

Foram aprovadas também medidas ruins, como o aumento do Judiciário, a extensão do aumento do mínimo para todos aposentados.

Essa do Judiciário é sem sombra de dúvida ruim. É impossível. O país não suporta 70%, nem que a gente faça mágica. E vira cascata imediatamente. São duas medidas que somos obrigados a tomar medidas explícitas contra. Buscamos respeitar a maior parte das discussões, mas tem algumas que são absolutamente infundadas. E são infundadas também para a oposição. Tem de ter responsabilidade.

A situação da Grécia mostra que compensa a irresponsabilidade fiscal? É bom que eles saiam da União Europeia?

A saída não é boa para Grécia nem para a União Europeia. Não é boa porque abre uma hipótese. Há sempre a possibilidade de se sair.

Olhando nosso caso, a sra. disse durante a campanha que ajuste gerava desemprego...

E gera.

Mas a sra. optou pelo ajuste?

Mas o meu não é igual ao deles [Grécia] não. Eu não cortei salário real.

O Joaquim Levy (Fazenda) propõe acelerar o ajuste?

Nós também, acelerar num outro sentido. Acelerar é tudo que tiver de fazer de ajuste façamos já. Porque, quanto mais rápido fizermos, mais rápido sairemos dele.

O que mais pode ser feito?

Não vou falar sobre isto.

Estas medidas são para compensar o que o governo deixou de aprovar no Congresso do ajuste fiscal?

Porque há um descompasso, não vamos ver nenhum resultado da [redução da] desoneração [da folha de pagamento] neste ano. A probabilidade é que seja uma parte muito pequena.

R$ 1 bilhão no máximo?

R$ 2 bilhões na melhor das hipóteses.

E o governo vai ter de cobrir este buraco?

Vamos ter. Mas aí estamos agora mais preocupados em tomar medidas estruturantes, que contribuem ao mesmo tempo para o ajuste como para para o médio e longo prazos.

Tipo?

Tipo tipo.

Esta eu não conheço.

Vou te dizer como fazíamos em interrogatório. Você faz um quadrado (desenha), ai de ti se sair deste quadrado, você está lascado. Então, se eu não quiser falar de que tipo [de medida] eu não falo, tenho técnica para isto. Treino.

Dá uma dica?

Não é maldade minha, é porque uma palavra minha dizendo vai ser assim, vai ser assado, causa impacto, causa efeito econômico, cria temores ou cria facilidades. O que asseguro é que temos uma noção de tempo. Quanto mais rápido o ajuste for feito melhor para nós. Nós estamos enfrentando uma inflação de um tiro só. Tivemos uma desvalorização entre 30% e 40% do câmbio, não existe magia quando tem uma desvalorização desta proporção, tem feito inflacionário.

Mas não há o efeito fiscal também, de gastar mais do que arrecada?

O ano passado foi atípico, fora da curva, ninguém esperava duas coisas, uma seca da proporção que houve. E alimento também.

Mas e a questão do lado fiscal?

A questão fiscal teve impacto sim. Se você olhasse o desempenho nos últimos dez a doze anos, vinha num nível de arrecadação bastante típico. Ficamos absolutamente surpreendidos, começa de agosto para setembro, uma queda preocupante. Aí vem outubro, dá uma pequena recuperada, depois veio o desastre de novembro e dezembro. Foi um desastre. Ponto fora da curva total.

A sra. achava que os juros teriam de chegar tão alto?

Acho que o Brasil vai ter de procurar juros mais baixos. Agora, o responsável pela política de juros é o Banco Central. Em termos teóricos, eu acho que a inflação no Brasil tem de convergir para níveis bem mais baixos.

A sra. apoia a meta do Banco Central de levar a inflação para o centro da meta no final do ano que vem?

Acho que o Banco Central colocou para si mesmo uma meta para atingir, que é 4,5%, que seria uma convergência para padrões internacionais. Agora, você sabe que o mundo é complexo, o mundo já esteve extremamente preocupado com a deflação, o Japão é extremamente preocupado.

Quase todos, menos nós, temos esta preocupação?

A gente pode pegar emprestado uma frase do [economista Mário Henrique] Simonsen, de que a inflação aleija e o câmbio mata. Podemos dizer a inflação aleija para todo sempre, mas a deflação mata para todo sempre.

Então, é melhor ter um pouco de inflação?

Não, não é melhor não. Sabe por quê? Porque nesta questão de inflação versus deflação não tem boa. A melhor saída é a estabilidade.

A senhora imaginava que a gente teria uma retração acima de 1% esse ano?

Não. Nunca imaginei.

Vai ser de quanto?

Até o final do ano vou fazer o diabo para fazer a menor possível. Já virei um pouco caixeiro viajante, vou continuar.

Quando vai começar a recuperação?

É dificílimo prever. Vamos fazer a previsão mais conservadora possível para que a gente saia no ano que vem. A mais otimista é que nós já saímos no fim do ano. A mais provável é que a gente comece a ter indícios. Não esperamos uma recuperação acelerada no fim do ano. Ninguém que for realista espera isso. É normal.

Colaboraram NATÁLIA CANCIAN e JULIA BORBA, de Brasília

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OS HOMENS DE DILMA

O que ela disse sobre os principais personagens de sua crise

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LULA, ex-presidente

"Ele tem todo o direito de dizer onde está e onde acha que eu estou [no volume morto]. Não faço crítica ao Lula. Deixa ele falar. O presidente Lula tem o direito de falar o que ele quiser"

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RICARDO PESSOA, presidente da UTC, delator na Lava Jato

"Eu conheço interrogatórios. Eu sei do que se trata. Eu acreditava no que estava fazendo e vi muita gente falar coisa que não queria e nem devia. Não gosto de delatores. Não gosto desse tipo de prática"


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