Folha de S. Paulo


Origem de políticos brasileiros, Líbano tem rua com nome de Michel Temer

Ain Ata se lembra.

Quando o padre Habib al-Haddad deixou este vilarejo libanês e embarcou ao Brasil para recomeçar a vida ao lado do filho, desabitou a antiga casa e despovoou as missas. Nunca voltou. Mas Ain Ata se lembra de sua figura carismática, ainda presente nos velhos retratos.

O padre Haddad hoje disputa as memórias, porém, com seu neto Fernando Haddad (PT), prefeito de São Paulo. O político brasileiro é, desde que visitou o local em 2006, outro ídolo deste vilarejo escondido entre colinas amareladas no sul do Líbano.

Situação parecida se repete em outras vilas deste país árabe, berço dos antepassados de diversos personagens da política brasileira, como o vice-presidente Michel Temer (PMDB), o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf (PP) e o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD).

A Folha viajou pelo interior libanês em busca dos rastros deixados por essas famílias. Em Ain Ata, encontrou um vilarejo druso –minoria religiosa– que idolatra o antigo padre ortodoxo Habib e seu neto, Fernando.

"A casa de Habib estava sempre aberta a todas as pessoas, drusos ou cristãos", diz à reportagem Talih Khodor, prefeito de Ain Ata. "Era uma boa pessoa. Foi o primeiro no vilarejo a misturar as pessoas a despeito da religião delas. Se alguém tivesse problemas, ele solucionava."

Ain Ata é um povoado de 3.000 pessoas próximo às fronteiras libanesas com Israel e Síria. Ali, vive-se da plantação de figo, damasco e ameixas, mas o solo e o clima não contribuem para a pujança. Após a Segunda Guerra, Habib e o filho, Felipe, viajaram ao Brasil em busca de melhores colheitas.

"Habib era o responsável pelo vilarejo, o prefeito, o padre. Ele era tudo. Quando os franceses vieram, ele defendeu a vila", afirma o druso Mahmud al-Qadi. "Quando ele morreu no Brasil, nos anos 1960, celebramos aqui."

Editoria de arte/Folhapress

Assim como comemoraram, no vilarejo, a visita do então ministro da Educação Fernando Haddad em 2006. Haddad fez à época uma doação à biblioteca municipal.

"Temos orgulho dele e queremos que ele seja presidente do Brasil", afirma Assad al-Haddad, 70, um primo distante. Ele lê de um papel o resumo da vida do "professor Haddad", que já decorou.

"Quando Haddad esteve aqui, fizemos uma grande festa", diz outro parente distante ("sua mãe era irmã da esposa de..."), Salim Mawil, 78. "Sabemos tudo sobre ele. Seguimos passo a passo."

Na antiga casa da família, hoje habitada por drusos, Nazira Abd al-Haq insiste em mostrar antigos retratos do padre Haddad, pendurados ao lado dos antepassados dela. Seu pai, Ismail Abd al-Haq, comprou a propriedade de Habib al-Haddad quando ambos viviam no Brasil.

RUA MICHEL TEMER

Em Btaaboura, no norte do Líbano, não é preciso procurar muito para encontrar traços brasileiros: a rua principal do vilarejo chama-se "Michel Tamer, vice-presidente do Brasil" (com essa grafia).

Btaaboura é casa de 200 habitantes. Cercada por montanhas e pinheiros, é uma vila ortodoxa a dez minutos do mar Mediterrâneo. A família Temer recebe a Folha em sua varanda, diante de árvores de romã em flor.

"Você conhece meu primo? Mande lembranças!", diz Soumaya Tamer ao trazer o café. Seu irmão, Nizar, 64, conta histórias de quando Temer visitou o povoado, em 2011.

Diogo Bercito/Folhapress
Placa da
Placa da "rua Michel Temer", inaugurada durante a visita do vice-presidente ao vilarejo de Btaaboura

Foi seu terceiro contato com o primo. Eles já se conheciam de uma visita anterior de Temer ao Líbano, em 1997. Nizar visitou também o Brasil e diz ter se hospedado na casa do político. "É um homem bom. Tenho orgulho dele e da família", afirma.

Seu filho, Alain Tamer, 20, é, segundo o vilarejo, afilhado do vice-presidente. Ele agora faz planos de mudar-se para o Brasil e imitar o sucesso dos familiares. "Aqui não há oportunidades", diz o estudante de engenharia.

Elias Suaid, 69, logo se junta ao café na varanda dos Tamer. Nascido em Tietê, filho de imigrantes libaneses, ele voltou ao vilarejo da família aos 16 anos. No Brasil, diz ter sido vizinho de Michel Temer. Há um parentesco distante.

"Me surpreendeu quando ele virou vice-presidente", diz. "Nos reencontramos duas vezes, no vilarejo. Ele ainda se lembra de mim."


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