Folha de S. Paulo


Projeto do STF pode tornar Judiciário maior e mais caro

Em fase de gestação no STF (Supremo Tribunal Federal), a nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman) –norma que estabelece todas as regras para juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores– desenha um Poder Judiciário maior, mais caro e menos sujeito a controles de produtividade e eficiência.

O estatuto lista direitos e deveres dos 16,4 mil magistrados encarregados de julgar mais de 100 milhões de processos no país.

Muitos aspectos da Loman atual, de 1979, tornaram-se anacrônicos após a Constituição de 1988 e a criação do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A própria Carta Magna determinou que o STF preparasse uma atualização, o que nunca foi cumprido. Nas últimas décadas, todas as propostas naufragaram.

Durante a presidência de Joaquim Barbosa no STF, o ministro Gilmar Mendes elaborou um projeto para modernizar a Loman. No fim de 2014, o atual presidente, Ricardo Lewandowski, apresentou novo anteprojeto, a base do texto a ser enviado ao Congresso ainda este ano.

O texto de Lewandowski e as emendas posteriormente sugeridas pelo ministro Luiz Fux tendem a aumentar o gasto com pessoal, 412,5 mil servidores que, em 2013, consumiram 90% do orçamento da máquina judicial brasileira (R$ 62 bilhões).

REAJUSTES

Uma das mudanças desejadas por Luiz Fux é transferir do Congresso Nacional para o STF o poder de reajustar os salários dos próprios integrantes da corte.

Pela fórmula, o STF fixaria um reajuste baseado na inflação dos últimos doze meses, previsão de inflação para o ano seguinte, crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) e um fator que ele chamou de "necessidade de valorização institucional da magistratura". O novo salário de magistrados começaria a vigorar a cada 1º de janeiro.

Com o subjetivo dispositivo da "valorização institucional", os aumentos salariais na corte tenderiam a ficar maiores que os do salário mínimo.

A fórmula teria forte impacto nas contas públicas, porque o salário de ministro do STF é referência para vencimentos no resto do Judiciário, no Ministério Público, no Congresso e, a partir deste último, nas Assembleias Legislativas de todos os Estados.

"A corte decidir o próprio salário já é uma temeridade", afirma o economista Otto Nogami, professor do Insper. "Mas não tem lógica nenhuma usar o método de reajuste do salário mínimo [variação do PIB], criado a pretexto de reduzir desigualdade, para subir o teto do funcionalismo", completa.

"Atualmente o Judiciário já não tem recurso para investir em modernização porque o gasto com folha é altíssimo", critica. A situação ficará pior se a folha for ainda mais inflada, conclui.

Mesmo que gatilho de Fux não prospere, o custo de cada juiz deve crescer, considerando as outros propostas em gestação na nova Loman.

No anteprojeto de Lewandowski são criados benefícios extras que não existiam nem na Loman de 1979 nem na proposta de Gilmar Mendes, como auxílios para educar filhos de juízes de 0 a 24 anos e para curso de pós-graduação no exterior. (leia ao lado).

CARGOS

Fux também quer um aumento substantivo no número de desembargadores no país. Ele propõe que seja fixada a proporção de um desembargador para quatro juízes de primeira instância.

Hoje não há parâmetro obrigatório. Se a ideia vingar, o país precisará criar 834 novas vagas na segunda instância. E, no momento seguinte, contratar milhares de novos funcionários e assessores para auxiliarem os novos desembargadores.

Uma das incertezas da nova Loman diz respeito ao futuro papel do CNJ. Criado para realizar controle administrativo e processual do Judiciário, o órgão é combatido por parte da magistratura.

No esboço de Gilmar Mendes, muitos atos administrativos do conselho seriam incorporados na Loman.

Na proposta de Lewandowski, o papel do CNJ na fiscalização de magistrados suspeitos de irregularidades passa a ser subsidiário ao das corregedorias dos tribunais. Além disso, o conselho não poderia fiscalizar magistrados da Justiça Eleitoral.

Lewandowski queria ainda estabelecer como prerrogativa do juiz não ser interrogado em processo disciplinar ou criminal a não ser por magistrado de instância igual ou superior, "ainda que integrante ou designado pelo Conselho Nacional de Justiça". Na prática, isso poderia inviabilizar a atuação do CNJ, já que seis de seus conselheiros não são magistrados.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) reclamou e Lewandowski recuou. Mudou o texto para possibilitar a atuação de integrantes ou designados pelo CNJ.

A Folha tentou ouvir Fux, Lewandowski e Mendes sobre o tema, mas não teve sucesso.

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Pedro Ladeira - 5.mar.2015/Folhapress
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência de Ricardo Lewandowski
Sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência de Ricardo Lewandowski

RICARDO LEWANDOWSKI

TAMANHO DO JUDICIÁRIO
O presidente do STF defende mudanças pontuais, como criação de varas especia-lizadas para julgar conflitos fundiários

SALÁRIOS
Que o subsídio não ultrapasse o teto da remuneração. Fala em reajuste para preservar "valor real", mas não estabelece periodicidade nem percentuais

FÉRIAS
60 dias, com pagamento de salário-base

BENEFÍCIOS
Passaporte diplomático, auxílios para alimentação, moradia, creche, educação (para filhos entre 6 e 24 anos), plano de saúde, extra de até 20% do salário para pós-graduação, até 3 subsídios como auxílio-mudança, pagamento de auxílio-transporte na falta de carro oficial e extras até por participação em banca de concurso

PUNIÇÕES A JUÍZES
Perda do cargo em caso de crime de responsabilidade, ação penal ou ação civil transitados em julgado. Proíbe condução do magistrado a delegacia, mesmo em flagrante

PRODUTIVIDADE
Que cada tribunal estabeleça o controle

PAPEL DO CNJ
Perde prerrogativas financeiras e de poder: punições passam a caber às Corregedorias

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Sérgio Lima - 26.fev.2014/Folhapress
O ministro do STF Luiz Fux
O ministro do STF Luiz Fux

LUIZ FUX

TAMANHO DO JUDICIÁRIO
Proporção de 1 desembargador para 4 juízes –o impacto imediato é de mil novos desem-bargadores, mais assessores e novos juízes

SALÁRIOS
Transferência, do Congresso Nacional para o próprio Supremo Tribunal Federal, da prerrogativa de reajustar salários dos ministros, que servem de base para todo o Judiciário e o Legislativo. Determina reajuste sempre em Janeiro com reposição da inflação, considerando ainda crescimento do PIB e "a necessidade de valorização institucional da magistratura"

FÉRIAS
60 dias, com pagamento de um salário-base a cada período de férias

BENEFÍCIOS
Defende os mesmos benefícios que o presidente do STF, mais o direito de receber simultaneamente auxílio-moradia e diárias no período em que o juiz for convocado para trabalhar em corte superior; auxílio-mudança no valor de até três salários, mais gratificações

PUNIÇÕES A JUÍZES
Mesmo se condenado por improbidade, magistrado não perde o cargo

PRODUTIVIDADE
Defende o mesmo que Lewandowski: que cada tribunal estabeleça o controle da produtividade de seus magistrados

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Ueslei Marcelino - 11.mar.15/Reuters
O ministro Gilmar Mendes em sessão do STF
O ministro Gilmar Mendes em sessão do STF

GILMAR MENDES

TAMANHO DO JUDICIÁRIO
Como Lewandowski, defende mudanças pontuais, como criação de varas especiali-zadas para julgar conflitos fundiários

SALÁRIOS
Remuneração limitada ao teto. Não menciona reajusteFÉRIAS60 dias, com pagamento de um terço do salário-base

BENEFÍCIOS
Indenização de transporte nos deslocamentos a serviço, auxílio-alimentação, auxílio-moradia em caso de lotação em cidade de difícil acesso e com base em valor local de locação

PUNIÇÕES A JUÍZES
Perda do cargo em caso de crime de responsabilidade, ação penal ou ação civil transitados em julgado. Só é apresentado diretamente ao Tribunal se prisão não tiver sido em flagrante por crime inafiançável

PRODUTIVIDADE
Estabelecer um sistema de metas de resultados em áreas como gestão de custos e ampliação do acesso à Justiça

PAPEL DO CNJ
Aumentar poder do órgão ao definir valores para benefícios como o auxílio-alimentação e prever punições administrativas a magistrados


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