Folha de S. Paulo


DEM e PTB ensaiam união que juntaria herdeiros de Getúlio e Lacerda

Protagonistas de uma das maiores rivalidades da história brasileira, Getúlio Vargas e Carlos Lacerda podem, enfim, convergir politicamente. A aproximação, 38 anos após a morte do último deles, é obviamente involuntária.

PTB e DEM, que estudam agora se fundir em uma única legenda, derivam, respectivamente, do campo político do presidente que se matou com um tiro no peito em 1954 e do panfletário jornalista, rival figadal e pivô da crise que culminou no suicídio de Vargas.

O PTB foi criado em 1945, no campo da esquerda, sob forte influência do então ditador, que via naquele ano ruir o seu Estado Novo.

Nas duas décadas seguintes, a sigla reuniu as bases proletárias do varguismo. Acabou extinta no ano seguinte ao golpe de 1964, tendo a maior parte de seus quadros migrado para o MDB, o partido de oposição ao regime militar.

Acervo UH/Folhapress
O jornalista Carlos Lacerda e Getúlio num discurso para estudantes em SP, em 1952
O jornalista Carlos Lacerda e Getúlio Vargas num discurso para estudantes em SP, em 1952

O fim do bipartidarismo, no fim dos anos 70, levou os varguistas, em larga escala, para o PDT de Leonel Brizola (1922-2004), afilhado político de Vargas. Ele tentou recriar o PTB, mas acabou perdendo na Justiça a sigla para uma sobrinha do ex-ditador, Ivete.

Embora tenha passado a trilhar caminhos que guardam pouca similaridade com o varguismo –como o apoio a Fernando Collor de Mello nos anos 90, sob a liderança do polêmico deputado Roberto Jefferson–, o PTB sempre reivindicou a herança de Getúlio Vargas.

Já o DEM vem de uma linhagem de direita que remonta à UDN de Carlos Lacerda, sigla de oposição a Vargas. Na ditadura, a UDN desaguou, conforme o sistema de bipartidarismo implantado pelos militares, na Arena, a sigla de apoio ao regime.

Com o ocaso da ditadura, parte da Arena virou PDS, partido que patrocinou a fracassada candidatura presidencial de Paulo Maluf em 1985.

Políticos do PDS contrários a Maluf acabaram saindo e criando o PFL, que teve papel preponderante até a vitória de Lula, em 2002. Então, passou a minguar. Em 2007, mudou de nome. Virou o DEM.

"Talvez estejam querendo recriar a Frente Ampla", ironiza o deputado e ex-ministro Miro Teixeira (PROS-RJ). Ele faz referência à pouco efetiva e relativamente fugaz união antiditadura de Lacerda (após romper com os militares) com seus antigos adversários João Goulart (1919-1976) e Juscelino Kubitschek (1902-1976).

"Quando mudou do PFL para o DEM, o partido já sinalizou uma inflexão da direita para o centro. E temos também algumas raízes no [antigo] PSD [da ala varguista mais elitizada]", afirma o deputado Rodrigo Maia (RJ), ex-presidente do DEM.

O novo partido, que manteria o nome PTB e o número do DEM, 25, tenderia a se abrigar na oposição ao governo Dilma. O objetivo tem relação zero com precedentes históricos: busca-se apenas maior musculatura no Congresso e em futuras eleições.

Tanto numa como noutra legenda há resistências, o que pode barrar a histórica convergência. O governista Jovair Arantes (GO), líder da bancada do PTB na Câmara, e o oposicionista Ronaldo Caiado (GO), líder do DEM no Senado, fazem coro: "Essa fusão não tem pé nem cabeça".

Mas também não chega a ser uma rivalidade do nível Vargas e Lacerda.


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