Folha de S. Paulo


Informações de ex-sócio de Janene foram o ponto de partida da Lava Jato

Nuno Ferreira Santos/Jornal Publico
O empresário Hermes Magnus, que denunciou corrupção à PF
O empresário Hermes Magnus, que denunciou corrupção à PF

Informações repassadas pelo empresário gaúcho Hermes Freitas Magnus, 44, foram o ponto de partida da investigação que viria a se transformar na Operação Lava Jato. Segundo o Ministério Público Federal, o ex-deputado paranaense José Janene (PP), que morreu há cinco anos, investiu a partir de 2008 na empresa de máquinas de Magnus apenas como maneira de lavar dinheiro. O empresário relatou os detalhes à Justiça.

Leia o depoimento de Magnus.

*

Meu nome está nos autos como denunciante. Fui envolvido em uma trama diabólica, política e policialesca.

Sou um empreendedor, inventor de máquinas e projetista há 22 anos. Procurei bancos por muito tempo e ninguém me olhava na minha cara porque a tecnologia era nova. Para conseguir R$ 10 mil de crédito era uma luta.

Foi quando o José Janene ofereceu dinheiro [para investir]. Ele disse que era 'pegar ou largar'. Meu erro foi não ter levado para um advogado analisar. Em três dias o negócio estava fechado. Devia ter suspeitado.

Nas primeiras semanas, quando percebi que se tratava de lavagem de dinheiro, já comecei a mandar informação para fora, e-mails anônimos para a Polícia Federal.

Cheguei para o Janene e disse: 'Acho que me equivoquei, devolve minhas máquinas?'. Ele imediatamente deu um murro na mesa e falou: 'se você não aceitar meu dinheiro, sua vida vai ficar azeda'.

E ficou. Como tinha um contrato, um memorando de entendimento que previa uma permanência mínima [na sociedade], eu fiquei.

Mas fiquei sabotando a própria produção, correndo um risco tremendo. Na minha cabeça, o sonho era que a polícia invadisse e me libertasse daquele semi-cárcere.

Eu não podia nem sair de Londrina [onde era a sede da empresa]. Janene botava medo em qualquer um e mandava em todo o norte do Paraná. Alberto Youssef era como um office-boy de luxo, que não tinha o menor cacife para explorar o lado político.

Fiquei assim uns seis meses. Quando prenderam Enivaldo Quadrado [doleiro acusado de integrar a organização, detido em 2008], eles ficaram atordoados. Eu fugi.

DENÚNCIA

O Janene achou que iria me aliciar da mesma maneira que fazia com 99% das pessoas. E não tinha o menor pudor de me contar o que sabia.

[Em 2009,] um delegado me entregou um papelzinho com o e-mail do Sergio Moro e disse para eu fazer um dossiê para ele. Foi a coisa certa.

Eu fui para os Estados Unidos recomeçar a minha vida. Depois que o Janene morreu [em 2010] e a poeira baixou, eu voltei. Passei anos limpando a minha imagem junto aos clientes. A minha empresinha estava funcionando bem. Até 2013 só vinha subindo.

REVIRAVOLTA

Em 2014, quando estoura a Lava Jato, foi uma surpresa boa ver todo esse povo indo preso em um primeiro momento. Mas os clientes e financiadores debandaram, funcionários ficaram com medo de ficar perto de mim e a minha vida virou de cabeça para baixo.

Eu não tinha problema financeiro na empresa até começar a Lava Jato. Eu já havia recomeçado, virado a página. Hoje, cada vez que vou ao Brasil, eu estou à própria sorte. Dizem para mim: 'Volte, não tem perigo algum'. Mas, ao mesmo tempo, não há explicações sobre muitas coisas que aconteceram.

Até fogo na minha casa em Santa Catarina botaram e não se sabe quem fez. Meu medo são pessoas que ficaram pelo caminho e que podem estar pensando: 'Esse aí vai me dedurar. Ele sabe que eu fiz tal coisa'. Meu medo está na 'periferia' da Lava Jato.

Pretendo recomeçar fora do Brasil e não olhar mais para trás. Estou procurando um país para pedir asilo e poder trabalhar. Pedi ajuda à Transparência Internacional e venho trocando experiências.

Até hoje mando e-mails [aos investigadores], dou dicas. Às vezes, quando a coisa é muito boa, eles agradecem e vejo que acertei.

Seria uma grande derrota a Operação Lava Jato ficar muito 'resumidinha'. Ela tem falhas que poderiam ser evitadas, acredito que por falta de contingente.

Mas, para um país que pela primeira vez dá um salto com uma investigação desse tamanho, é um bom começo. Tem muita gente solta que deveria estar presa.

A prisão do núcleo político, dos ex-deputados, é uma vitória muito grande. Tranquilamente ela tem o dobro do tamanho [em relação ao que já foi descoberto].

Vou contar tudo em livro. Vai ser bem ácido, mas sem ilações, com provas.

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OUTRO LADO

Danielle Kemmer Janene, filha do ex-deputado José Janene, nega que o empresário Hermes Magnus tenha sido ameaçado ou impedido de deixar o negócio firmado com o pai dela em Londrina, no Paraná. Ela também afirma que o denunciante apresenta relatos "fantasiosos".

Danielle chegou a trabalhar com Magnus na empresa dele, a Dunel Indústria e Comércio, na época em que a operação da companhia foi transferida para Londrina.

"Posso afirmar com certeza absoluta que nunca houve ameaça. Meu pai nunca usou esse tipo de expediente", disse Danielle em entrevista à Folha.

Ela critica o fato de o Ministério Público Federal ter encampado a versão de Magnus como base para as acusações apresentadas à Justiça Federal, posteriormente utilizadas na Operação Lava Jato, que investiga esquema de desvios e corrupção envolvendo políticos e empresários na Petrobras.

Danielle diz que o relato de Magnus é "contraditório" e que não acredita que o empresário e ex-sócio seja uma "vítima inocente que não sabia com quem estava se relacionando".

Danielle, no entanto, afirma que não tem como dar detalhes dos termos do acordo entre o ex-deputado e o empresário. Ela conta que o pai sempre mantinha a família afastada do comando de seus negócios.

"É muito fácil todo mundo jogar a culpa em um morto, que não está aqui para se defender", diz.

Delatores apontam José Janene como uma figura central na estrutura do esquema de desvio de recursos da Petrobras.

Ele morreu aos 55 anos, em setembro de 2010, antes do julgamento do mensalão.


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