Folha de S. Paulo


Índios acampam em protesto contra Planalto, Congresso e STF

Pedro Ladeira/Folhapress
Índios de várias etnias fazem protesto em frente ao Palácio do Planalto
Índios de várias etnias fazem protesto em frente ao Palácio do Planalto

Cerca de 1.500 índios de todo o país, segundo lideranças indígenas, montaram um acampamento no gramado central da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para protestar contra medidas tomadas pelo Congresso Nacional e decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal) que, de acordo com os manifestantes, atingem direitos indígenas.

O protesto, que começou nesta terça-feira (14) e deve se estender até a noite desta quinta-feira (16), inclui alguns dos principais líderes indígenas do país, como Sônia Guajajara, do Maranhão, o cacique txucarramãe Raoni, de Mato Grosso, e o yanomami Davi Kopenawa, de Roraima.

Ao microfone no palco montado na tenda principal do acampamento, líderes de diversas etnias prometeram resistir à ameaça de aprovação da PEC 215 (Proposta de Emenda à Constituição), em discussão no Congresso, que concede ao Legislativo poderes sobre o processo de demarcação de terras indígenas.

"Uma vez que a PEC seja aprovada, esse país inteiro vai ver o sangue derramado do nosso povo porque nós não vamos entregar nosso território. Nós vamos lutar", prometeu o líder Lindomar Terena, de Mato Grosso do Sul.

"Viemos dizer para esses que governam o país: os povos indígenas fazem parte da sociedade brasileira e precisam ser respeitados", disse Lindomar, sob aplausos. Ele disse que os índios estão preocupados com as "últimas decisões do Poder Judiciário, [...] anulando portarias demarcatórias, anulando terras demarcadas".

A 2ª Turma do STF, formada pelos ministros Teori Zavascki, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, deu duas decisões desde o ano passado contrárias aos interesses de índios guaranis de Mato Grosso do Sul, que buscam reaver terras que, segundo eles, foram ocupadas por colonizadores ao longo de anos.

O novo entendimento desse grupo de ministros é que os índios não podem ter direito a terras que não estavam ocupadas por eles na promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988 –o que eles chamam de "marco temporal"– ou não eram reivindicadas judicialmente pelos indígenas. Os índios alegam, porém, que não estavam nas terras naquela data justamente porque haviam sido antes expulsos por colonizadores, fazendeiros ou projetos de desenvolvimento do Estado brasileiro, incluindo os da ditadura militar (1964-1985). Ao longo das últimas duas décadas, o Judiciário reconheceu algumas vezes o direito dos índios sobre terras não oficialmente demarcadas antes de 1988, mas agora o Supremo sinaliza uma mudança de interpretação.

Na tarde desta terça-feira (14), debaixo de chuva, os indígenas fizeram um protesto em frente ao STF. Nesta quarta-feira (15), protestaram em frente ao Palácio do Planalto. Alguns líderes foram recebidos em audiência pelo ministro Miguel Rossetto (Secretaria Geral da Presidência), a quem entregaram uma carta para pedir que o governo cumpra uma comunicação aos povos indígenas divulgada pela então candidata à reeleição à Presidência Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral do ano passado. Segundo os índios, hoje há 20 processos para homologação de terras indígenas aguardando apenas uma assinatura de Dilma.

A Folha apurou que, no encontro, Rossetto disse que a Presidência é contrária à aprovação da PEC 215, que as demandas dos índios seriam entregues a Dilma e que seria uma preocupação da presidente definir um nome para a presidência da Funai (Fundação Nacional do Índio), gerida há mais de dois anos por interinos.

"O objetivo desse acampamento é denunciar a grave violação desse ataque sistemático aos direitos dos povos indígenas. É reafirmar os direitos conquistados na Constituição de 1988 e dizer que queremos o aperfeiçoamento e cumprimento de uma democracia", disse Sônia Guajajara, no acampamento.

Kretã Kaingangue, filho de um dos principais lideres indígenas no país nos anos 70, Ângelo Kretã, morto em um acidente de trânsito suspeito em 1980 em meio a uma disputa com madeireiros no Paraná, disse que "os povos indígenas não vão parar de denunciar". "Nosso país está sim terceirizado para a soja, para a monocultura e para as grandes empresas. [...] Essa soja não traz benefício nenhum para nós", disse Kretã.

O líder Sarapó Pankararu disse que "não se poder deixar essa PEC 215 ser aprovada". "É um retrocesso para o país. Nossa população indígena ter seus direitos negados, aqueles que já foram conquistados com muita luta pelos nossos antepassados. A principal é essa PEC 215, que tira do Poder Executivo a responsabilidade de demarcar e homologar as terras indígenas, trazendo para o Legislativo essa incumbência. Se no Executivo a gente não tem nossas terras demarcadas, principalmente no Nordeste, Minas Gerais, Espírito Santo e sul do país, imagina só se no Legislativo nós vamos ter alguma terra demarcada nesse país", disse Pankararu.

Anastácio Peralta, líder guarani-kaiowá de Mato Grosso do Sul, disse que os índios "nunca tiveram valor" para os não-indígenas. "Não temos progresso para eles, só empatamos o progresso para a mentalidade deles, porque eles são colonizadores e essa ideia de colonizadores está até hoje no nosso país", disse Anastácio.

Em reação ao protesto, e para marcar o dia do índio, celebrado no próximo dia 19, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado informaram aos organizadores do acampamento que pretendem realizar sessões especiais de homenagem aos índios nesta quinta-feira (16).

O protesto dos índios, chamado de ATL (Acampamento Terra Livre), é coordenado pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), uma das principais organizações indígenas do país, com apoio do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ISA (Instituto Socioambiental), CTI (Centro de Trabalho Indigenista), Greenpeace, IEB (Instituto Internacional de Educação do Brasil), Mapi (Movimento de Apoio aos Povos Indígenas), Movimento Uma Gota no Oceano, Movimento Índio É Nós, entre outros.


Endereço da página: