Folha de S. Paulo


'Dilma se tornou refém de Joaquim Levy', diz FHC

Fabio Braga/Folhapress
O ex-presidente FHC, 83, durante entrevista no instituto que leva seu nome
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante entrevista no Instituto FHC

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acha que a presidente Dilma Rousseff tornou-se refém de seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o economista de perfil conservador que ela recrutou para dar uma guinada em sua política econômica e equilibrar as finanças do governo.

"Ela não pode demitir. É refém dele", disse FHC, em entrevista à Folha. "Poder até pode, mas o que acontece depois? Ela está presa, não tem muito [por] onde escapar."

Para o ex-presidente, Dilma vive numa armadilha, forçada a promover um ajuste duro e sem força para convencer aliados no PT e no PMDB a aprovar medidas propostas por sua equipe econômica.

"O problema é econômico, mas a solução é política", disse o tucano.

"Não estou vendo se formar uma coalizão que sustente a saída." A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Folha - Em 1999, o sr. viveu uma crise e o PT pediu seu impeachment. O que diferencia o "Fora FHC"do "Fora Dilma"?
O "Fora FHC" era partidário, limitado ao PT. Eu nunca perdi o Congresso. Não perdi a credibilidade nem a capacidade de ação política. Não é a mesma situação de hoje. Há um elemento de descrédito.

Mas qual é o principal vetor da insatisfação popular: a corrupção, o estelionato eleitoral, a economia?
É a somatória. O que dá sustentação é a economia –que está só começando–, mas é indiscutível que a corrupção pesou. O movimento foi de repulsa. Em 2013 [nas jornadas de junho], os alvos eram dispersos. Agora tudo se concentrou simbolicamente no anti-Dilma. Não quer dizer que efetivamente queiram tirar a Dilma de lá. Até porque, pela corrupção, não é ela a responsável maior.

Como assim?
Ela herdou. Todo esse sistema que está aí não foi criado no governo dela. Ela tentou se livrar. Demitiu ministro, mexeu na Petrobras. Agora, o povo não percebeu assim. Simbolicamente centrou na Dilma. Ela está numa armadilha. Não sei se acham que ela é corrupta. As pesquisas dizem que acham que ela sabia e não fez nada. A imagem da Dilma que fez a faxina sumiu.

Armadilha?
Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumentou a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele. Poder até pode, mas o que acontece depois? Então, ela está presa, não tem muito por onde escapar.

O PMDB propôs corte de ministérios e tem criticado o ajuste. Ele roubou a agenda da oposição?
Se estiver fazendo isso, ele está mudando de lado. Se for isso, não acho mal não [risos].

O sr. definiu Joaquim Levy como 'tecnocrata'. Ele não terá força para bancar o ajuste?
Ele não tem experiência política. Quando fiz o Plano Real, o que eu fazia? Eu falava. Minha função era política. Não era técnico, não sou economista sequer. Alguém tem que fazer isso. No caso, era eu, não o presidente, mas alguém tem que fazer.

Então falta condução política?
Os economistas, quanto mais tecnocratas, mais querem que a racionalidade impere. Não pode. A racionalidade econômica pura esmaga tudo. O problema é econômico, a solução é política. E não vejo uma coalizão.

O sr. esteve com Temer e há um alinhamento entre PMDB e PSDB na CPI da Petrobras...
Com o Temer, tenho uma relação. Ele deu uma declaração interessante: a Câmara tem um momento em que ela engravida e dá a luz. Ela engravidou da reforma política. E aí eu acho que tem que conversar PMDB, PSDB, PT... Para evitar o naufrágio do sistema e da classe política toda. Agora, não é isso que a rua está pedindo.

A reforma não é a resposta?
A rua está pedindo para passar a limpo. Não adianta responder como a Dilma tentou, dizendo que 'nunca ninguém combateu tanto a corrupção como o nosso governo' –e ainda botou o 'nosso', coitada. Ninguém acredita.

O sr. disse 'coitada'. É pena?
Pena não é sentimento que se deva ter de políticos. Acho que ela está de mau jeito.

É solidariedade?
Solidariedade, não. Estou do outro lado. Acho, como ser humano, que ela deve estar padecendo.

Setores que defendem o impeachment dizem que o sr. poupa Dilma e reedita o que fez em 2005 por Lula...
Em 2005, havia possibilidade legal de pedir impeachment. Por que não teve? Porque a rua não estava nessa posição. O impeachment não é um ato simplesmente técnico. Cria um fosso, um mal- estar historicamente ruim. Agora, quem está processando a Dilma por algo que ela fez? Não tem. Quer dizer que não venha a acontecer? Não sei. Estamos numa situação de ponto de interrogação. Dependemos do calor da rua, do avanço do processo judicial e da mídia. Seria irresponsável nessa situação eu sair com uma bandeira fora de hora.

Mas o sr. acha que hoje um pedido de impeachment de Dilma teria o mesmo problema que viu no de Lula em 2005?
Não. É diferente e vou dizer uma coisa arriscada: o Lula perde hoje. Hoje [se Dilma cai e são realizadas novas eleições], o Lula perde. Mas eu não penso eleitoralmente. Não vou dizer: 'Então vamos fazer o impeachment porque o Aécio [Neves] ganha, o Geraldo [Alckmin] ganha, ou eu ganho'. Tem que pensar o país. Não estou dizendo que nunca vai se chegar a tal ponto [do impeachment]. Não sei.

Fabio Braga/Folhapress
O ex-presidente FHC, durante a entrevista
O ex-presidente FHC, durante a entrevista

O sr. disse recentemente que é preciso "passar a limpo" a corrupção na Petrobras. Antonio Anastasia (PSDB-MG) está entre os investigados...
Pegar uma referência vaga sobre alguém e colocar num processo é irresponsabilidade. Mas minha opinião é clara: está lá, que investiguem. Mas, no caso do Anastasia, é uma coisa fragílima.

Acha que houve influência política na escolha dos nomes?
Tudo na vida é política. Não creio que o procurador-geral [Rodrigo Janot] faça um acordo, mas obviamente há influências de todos os lados, em todas as esferas. O próprio policial, um procurador que quer uma coisa, o outro que quer outra. Isso não é necessariamente ruim, é normal, desde que o processo continue e se consiga provar algo.

O sr. disse que não é "crível" que Lula e Dilma não soubessem. A mesma lógica vale para o cartel em São Paulo?
É muito diferente. Aqui não tem acusação de que dirigente político tivesse recebido dinheiro, de que o PSDB tivesse recebido. O STF arquivou porque não tinha nada. É importante mostrar a natureza do que estamos discutindo hoje. Não é corrupção usual. É uma forma organizada de manutenção do poder utilizando dinheiro público. Aumentaram os preços [das obras] para tirar a diferença e dar para os partidos. É uma coisa muito mais séria.

Depoimentos apontam que o cartel na Petrobras se organizou no final de sua gestão...
Não é isso. Eu li. As empresas dizem que se organizaram como associação, mas que só tornaram [o cartel] como prática mais tarde. Pode ter havido corrupção no meu governo? Houve muito homicídio no meu governo, sabia? Marido matou mulher, mulher matou marido. O que eu tenho a ver com isso? Não há nem acusação desse tipo de organização no meu governo.

Acha possível que a dinâmica da última eleição presidencial tenha influenciado o levante contra Dilma?
É possível. Houve uma coisa ruim que é a ideia do nós contra eles. Isso foi proposto pelo PT e pelo Lula. Criaram um antagonismo. Agora reclamam que tem ódio nas ruas. Mas eles que soltaram.


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