Folha de S. Paulo


Religiões de raiz africana pedem investigação de grupo Gladiadores do Altar

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O MPF- RJ (Ministério Público Federal no Rio) recebeu uma representação de religiosos do Candomblé e da Umbanda, nesta segunda-feira (23), com um pedido de investigação sobre a formação do grupo intitulado Gladiadores do Altar, da Iurd (Igreja Universal do Reino de Deus). A representação foi entregue em outras 22 capitais brasileiras, segundo os organizadores do movimento.

O grupo, criado no final de 2014 pela Universal aparece em vídeos na internet uniformizado, tem postura militar e é chamado por pastores da igreja de 'exército de Cristo'.

"É uma postura paramilitar. Nós já sofremos preconceito de vários membros da Iurd, que destroem terreiros e perseguem pessoas das religiões afro nas ruas. Não vamos esperar um grupo de 6 mil homens, que se denomina como um 'exército', pegar em armas e agir contra a gente ou que um grupo fundamentalista cresça em nosso país", disse Luiz Fernandes Martins, advogado que entregou a representação.

O documento, de cerca de 20 páginas, pede, além de uma investigação contra o grupo, uma audiência pública para a sociedade se manifestar a respeito dos chamados gladiadores. Segundo Martins, caso o caráter paramilitar seja constatado, as religiões de raiz africana irão pedir uma indenização para incentivar medidas contra a intolerância religiosa.

Antes da entrega da representação, um grupo de 100 pessoas vestidas de branco e tocando atabaques tentaram mobilizar pedestres que passavam em frente ao prédio do MPF, no centro do Rio. Também houve manifestação semelhante em frente ao Ministério Publico Federal em São Paulo.

A Folha presenciou algumas pessoas dirigindo xingamentos ao grupo, como usando a palavra "macumbeiros" de forma pejorativa e outros desviando o caminho fazendo o sinal da cruz.

"Tenho 60 anos de santo [iniciação religiosa no Candomblé]. Nesse tempo sofri muito preconceito, mas não ligo. As pessoas não entendem e não querem entender, mas querem discriminar", afirmou Eleuzita de Omulu, 79, tida na religião por ser a segunda mãe de santo mais velha do país. Seu terreiro existe há 170 anos, em Salvador.

Thatiana Santos Ferreira, 19, disse que já perdeu namorados e amigos por ser candomblecista. "Desde pequena alguns colegas de turma não se aproximavam de mim. Uma agressão psicológica. Namorados também se afastaram após ir no terreiro que frequento, o Axé Ilê Omim Kaia, em Vigário Geral (zona norte da cidade).

Sua tia, Kátia Santos, 55, que é mãe pequena do mesmo terreiro [segunda mãe de santo na hieraquia do terreiro], que também trabalha como engenheira eletrônica em uma firma, disse que sofreu muito preconceito na infância. "Quando fui fazer minha iniciação, por volta dos 10 anos, tinha que usar o quelê [cordão de contas do orixá] por três meses. As professoras não queriam que eu usasse na escola, então, tive que me ausentar nesse período. Fiquei de recuperação pelas faltas, não pelas notas. Elas não abonaram as faltas, pois sabiam que eu havia faltado devido ao candomblé.

O MPF-RJ disse que recebeu a representação e que procuradores da Procuradoria Regional dos Direitos Civis irão analisar o caso.

Em São Paulo, cerca de 40 pessoas –vestidas de branco e com ícones das religiões de matriz africana, assim como os manifestantes no Rio– também entregaram documento semelhante ao Ministério Público Federal e se concentraram na frente da sede regional, no centro da capital paulista.

A assessoria da Igreja Universal nega que o grupo Gladiadores do Altar tenha caráter paramilitar. "São jovens com vocação missionária e que estudam a Bíblia, sem desenvolver qualquer prática militar".


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