Folha de S. Paulo


As razões para as pessoas protestarem são justas, diz ex-marido de Dilma

A crise econômica, mais do que a corrupção, está inflando as manifestações contra o governo Dilma (PT) e os protestos, "não se pode negar", são justos e reais.

A avaliação é do ex-militante de esquerda Carlos Araújo, 77, que foi casado com a presidente Dilma Rousseff por 22 anos.

Apesar da crise, ele acha que a proposta do impeachment enfraqueceu. "Eles [os adversários] sabem que não levam a nada, quem vai assumir, o Temer?", ironiza.

Isadora Brant/Folhapress
O advogado Carlos Araújo, ex-marido de Dilma Rousseff, em sua casa, em Porto Alegre
O advogado Carlos Araújo, ex-marido de Dilma Rousseff, em sua casa, em Porto Alegre

Dizendo-se apoiador irrestrito da presidente, Araújo, ex-deputado estadual pelo PDT, recebeu a Folha em sua casa, à beira do rio Guaíba, em Porto Alegre e falou sobre os protestos de março, a crise econômica e a ex-mulher. "Ela está bem tranquila. O regime fez bem pra ela", diz.

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Folha - Por que as pessoas protestaram no dia 15?
Carlos Araújo - São duas coisas: uma inclinação justa contra a corrupção toda e o temor de perder as conquistas que tiveram. Quem ascendeu socialmente tem medo de perder as conquistas. Esses são os dois fatores principais que mobilizam a população. E são justos. Não se pode negar, são reais, são verdadeiros. O segundo quando vai melhorar? Só quando o Brasil recuperar o desenvolvimento. Até agora não teve problema de desemprego, mas pode ser que daqui a pouco venha...
A corrupção, como diz a Dilma, é uma velha senhora. Sempre houve. Ninguém fala da corrupção de São Paulo. Dão uns toquezinhos...
Na realidade, a corrupção é endêmica no regime capitalista. Qual o país mais corrupto do mundo? Os Estados Unidos!
Mas essa questão consegue ficar adormecida quando há desenvolvimento. As pessoas estão mais satisfeitas e tal. Mas se vem a crise....

Por que o país está enfrentando essa crise econômica?
Vivemos em uma tempestade própria do capitalismo, que tem crises cíclicas. Estamos vivendo uma crise. Tem que fazer políticas impactantes para superar a crise, é o que tem sido feito...
O Brasil vai sentir os efeitos disso o ano que vem. Já sabemos que vai ser difícil, as pessoas vão ficar apreensivas, vão protestar, mas faz parte do processo.

E o impeachment?
Eu vejo agora o Fernando Henrique, que sempre expressa um discurso conservador, falando "por que um impeachment contra a Dilma? O que acontece depois, vão botar o Temer? Favorecer o Lula? Então vamos desgastar até o fim, nossa política tem que ser essa, desgastá-la, tentar liquidá-la". Eles, na verdade, gostariam que houvesse um golpe. Mas não têm elementos para isso.

Mas e a campanha pelo impeachment?
O movimento está se esvaindo. Antes a Globo defendia, a Folha defendia. O Aécio Neves era o maior defensor. Daqui a pouco começaram a recuar. Eles estão seguindo o que o FHC falou. Eles sabem que não levam a nada, quem vai assumir, o Temer? O impeachment, eles acham, que só levaria a alguma coisa, se assumisse o candidato derrotado. Mas não é, quem assume é o vice. Não tem sentido.

Como vê a aliança com o PMDB?
A crise, em uma aliança frágil, tende a dissolver. Tem que ter muito cuidado ou ela dissolve. Há setores do PMDB que nunca apoiaram o governo. O PMDB na verdade é uma federação de líderes. Cada Estado tem um cacique do PMDB que manda. Esses caciques têm pensamentos muitas vezes bem divergentes. Mas o PMDB representa setores da sociedade, tanto que está aí há anos e anos.

Como vê a relação de Dilma com o Congresso?
Acho que a Dilma tem acertado em estreitar relações com o Congresso, dialogar melhor com os partidos. É tudo difícil, é tudo muito....nada é muito sólido. Nem o PT é muito sólido. Nem o PMDB. São partidos com dificuldades internas, então essas alianças são complexas. Acho quase um milagre que essas alianças consigam se manter. E elas são fundamentais para governar, sem isso não se governa. Tem que governar, tem que ceder. Tem que ter uma aliança e tem que saber os limites dela.
Mas é normal, não dá para achar que, numa aliança, as coisas vão andar certinhas.

Tem conversado sobre esses temas com a Dilma?
Só falo com ela quando ela vem a Porto Alegre. A última vez faz um mês. A gente não fala sobre essas coisas, a gente fala sobre a família, sobre o neto. A gente fala mais de coisas domésticas. Temos uma filha única, a vida fez com que a gente sempre fosse muito amigo. Somos muito unha e carne.

Esse momento é muito pesado para a Dilma?
Acho que é pesado emocionalmente, claro que é. O Lula normalmente fala as coisas corretas. Uma coisa que ele falou mais de uma vez é que a Dilma é uma pessoa extremamente corajosa. É muito difícil ela se abater. A vida preparou ela. Uns conseguem se preparar, outros não. Mas ela consegue manter uma tranquilidade. A coragem e a tranquilidade, quando elas estão juntas, evitam de a gente fazer muita besteira. Às vezes por ser tão determinada e tão corajosa ela até peca um pouco. Parece que é um autoritarismo. Mas agora ela está bem lúcida [risos].

Por quê?
Ela vive dentro do Palácio. Dia e noite é rolo, rolo, rolo. A pessoa vai endurecendo. Então daqui a pouco tem que dar uma pensada, fazer uma reflexão "não dá para endurecer tanto assim".

É sobre isso que falam?
O máximo que sou é um apoio irrestrito e se der para ser um apoio afetivo, familiar, eu sou. Fica nesses limites aí. Estou aqui, ela lá. Se precisamos conversamos, trocamos uma ideia. Mas é no sentido de companheirismo, de "estamos juntos nessa batalha".

Como está a Dilma agora?
Acho que ela está bem tranquila. O regime fez bem para ela, ela emagreceu. Fez bem porque, em primeiro lugar, a pessoa tem que estar se gostando fisicamente.
A Dilma tinha engordado muito durante a campanha eleitoral, com suas angústias, essas coisas que ocorrem a qualquer ser humano. Possivelmente resolveu, então voltar ao seu peso normal. Isso ajuda muito, a pessoa se sente bem, se sente disposta, se sente mais agradável, mais bonita. Isso tudo colabora, nós seres humanos somos de uma complexidade, né?


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