Folha de S. Paulo


Ricardo Melo: Golpismo de toga

Resposta à pergunta: A presidente Dilma deve sofrer ação de impeachment em decorrência do escândalo na Petrobras?

NÃO

O debate sobre o impeachment de Dilma ganhou certa repercussão com o parecer do professor da Escola Superior de Guerra Ives Gandra Martins.

Encomendado por um funcionário do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o documento pretendia conferir respeitabilidade acadêmica para a tarefa de apear a presidente recém-reeleita. A operação resultou num fiasco tanto jurídico como político.

O centro da tese é o de que a suposta omissão da presidente configura crime de responsabilidade. Levada ao pé da letra, a peça justifica a destituição de qualquer governante. Exemplo: alguém que perdeu um parente num hospital público por falta de socorro adequado pode pedir a cabeça do prefeito, governador ou presidente por crime de responsabilidade. Deixaram de prover saúde à população conforme manda a Constituição.

A propósito, aplica-se também ao governador Geraldo Alckmin, incapaz de adotar medidas prudenciais para garantir o abastecimento de água em São Paulo. Ou seja, serve para tudo. E o que serve para tudo geralmente serve para nada.

Ilustração/Bel Falleiros

Exceto quando se trata de golpismo. "Referi-me à destruição da Petrobras, reduzida a sua expressão nenhuma nos anos de gestão da presidente Dilma", escreveu Martins. É espantoso que mesmo um simples advogado se preste a serviço tão canhestro. Para o professor da ESG, a Petrobras acabou! E a culpa é de Dilma, embora até adversários ferrenhos reconheçam sua probidade. Realmente o papel aceita tudo, inclusive delírios travestidos de parecer jurídico.

Nem no Paraguai se chegou a tanto. Mas o país do domínio do fato vem se especializando em "judicializar" a política, em assistir aos sem voto recorrer a tribunais. Juízes, afinal, não são eleitos; muitos saem bem mais em conta do que esforços de campanha. É a "democracia" dos sonhos dos poderosos e endinheirados, sem o povo para atrapalhar.

Sorte que a coisa pegou tão mal que os autores da farsa ensaiam a marcha à ré. Perceberam, talvez, que ninguém vira líder popular só porque deixa a barba crescer. Vide o Paraná.


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