Folha de S. Paulo


Ministério Público denuncia militares por crimes na Guerrilha do Araguaia

O Ministério Público Federal no Pará denunciou à Justiça nesta quinta-feira (29) dois oficiais da reserva sob acusação de homicídio qualificado e ocultação de cadáver durante a Guerrilha do Araguaia.

Aposentado como tenente-coronel do Exército, Lício Ribeiro Maciel, 84, conhecido como Major Asdrúbal, foi denunciado sob acusação de três homicídios e ocultação de cadáver. Já Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, 76, é acusado de ocultação de cadáver.

A Guerrilha do Araguaia reuniu militantes do PC do B que se instalaram a partir de final dos anos 60 às margens do rio Araguaia –entre os Estados do Pará, Maranhão e Tocantins– para fazer uma revolução socialista no país.

Edinaldo de Sousa - 16.out.2004/Folhapress
Major Curió, que foi denunciado nesta quinta (29) pelo Ministério Público Federal
Major Curió, que foi denunciado nesta quinta (29) pelo Ministério Público Federal

Entre 1972 e 75, o governo militar descobriu o plano e preparou emboscadas e operações para eliminar a guerrilha. Dezenas de militantes foram mortos e seus corpos estão desaparecidos. Dos cerca de 70 guerrilheiros assassinados no Araguaia, somente dois foram identificados.

A denúncia apresentada nesta quinta aponta como vítimas os guerrilheiros André Grabois, João Gualberto Calatrone e Antônio Alfredo de Lima, mortos numa emboscada em 13 de outubro de 1973.

Segundo o Ministério Público Federal, as mortes ocorreram por motivo torpe –nesse caso, "a busca pela preservação do poder usurpado no golpe de 1964". O uso de violência e do aparato estatal, com abuso de autoridade, são outras qualificadoras dos crimes.

"Tais condutas, muito além de medidas destinadas a restabelecer a paz nacional, consistiram em atos autoritários e criminosos perpetrados por um grupo que visava eliminar, valendo-se do aparato repressivo do Estado, todos os dissidentes políticos instalados na região", afirma a denúncia.

Os procuradores ainda pedem o cancelamento das aposentadorias dos militares, que hoje vivem em Brasília e no Rio de Janeiro –respectivamente-, além do pagamento de danos às famílias das vítimas.

Contatados, os advogados dos militares disseram considerar a acusação "estapafúrdia", já que a Lei da Anistia extinguiu a punibilidade de agentes do Estado e de militantes por crimes cometidos durante a ditadura.

A Justiça ainda não acatou a denúncia. Só depois da decisão do juiz é que os denunciados viram réus e respondem pelas acusações.

DEPOIMENTOS

Informações colhidas durante cinco anos de trabalho de uma força-tarefa do Ministério Público Federal, além de depoimentos dados por vítimas e militares à Comissão Nacional da Verdade e à imprensa, fundamentam a denúncia.

De acordo com o documento, a emboscada ocorreu enquanto o grupo levantava acampamento em um sítio, em São Domingos do Araguaia, no sudeste do Pará. Depoimentos dos próprios denunciados à imprensa, que são citados na denúncia, confirmam que o Exército metralhou e ocultou os corpos.

"Olhei, eles entraram em posição e eu me levantei. Quase encostei o cano da minha arma em André Grabois. Ele deu aquele pulo, e a arma já estava em minha direção, não deu outra", diz um trecho de depoimento de Lício Maciel, dado em 2005 em sessão solene na Câmara dos Deputados.

As ossadas ainda foram retiradas do local anos depois, na chamada "Operação Limpeza", sob responsabilidade de Curió.

Para o advogado Mário Gilberto de Oliveira, que defende o Major Curió, a denúncia é "requentada". Em outra ação contra o militar, ajuizada em 2012, por sequestro na Guerrilha do Araguaia, a defesa conseguiu o trancamento do processo, com base na Lei da Anistia.

"São denúncias estapafúrdias. O STF [Supremo Tribunal Federal] já decidiu inúmeras vezes que a Lei da Anistia está em vigência, e que tanto os militares quanto os civis que participaram daquele conflito foram anistiados", declarou Oliveira à Folha. "Isso aí é gente que está querendo holofote."

Defensor de Lício Maciel, o advogado Rodrigo Roca também conseguiu o trancamento de uma ação anterior por sequestro contra seu cliente, sob o mesmo argumento. Para ele, a nova tentativa de acusação é "infundada".

"Esse assunto já tem um entendimento solidificado. É um desperdício insistir nisso, de tempo, de profissionais. Isso acaba contribuindo até para o descrédito da Justiça", afirmou Roca.


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