Folha de S. Paulo


Agora ministro da Defesa, Wagner já foi alvo de militares

No dia 8 de agosto de 1975, a Divisão de Segurança e Informações da Petrobras, braço da arapongagem da ditadura militar (1964-1985) que atuava dentro da estatal, produziu um documento confidencial sobre um rapaz chamado Jaques Wagner, de 24 anos, que se candidatara a um estágio na petroleira.

"Registra antecedentes políticos ideológicos. Elemento pertencente ao Partido Comunista do Brasil. Citado em depoimento de vários subversivos como militante da PUC [do Rio de Janeiro]. Contraindicado por esta divisão para fazer um estágio de operador na Refinaria Landulpho Alves", sentencia o papel, fazendo referência a uma vaga aberta no complexo da petroleira no Recôncavo Baiano.

Há duas semanas, o mesmo Jaques Wagner foi nomeado pela presidente e ex-guerrilheira Dilma Rousseff para comandar as mesmas Forças Armadas que, quase 40 anos atrás, lhe negaram um estágio por sua atuação política.

Reprodução
Numa foto dos anos 70 usada em sua campanha, Wagner aparece encarando um militar
Numa foto dos anos 70 usada em sua campanha, Wagner aparece encarando um militar

Documentos confidenciais produzidos pela ditadura –e hoje liberados para consulta pública no Arquivo Nacional, em Brasília– mostram que, além de contraindicarem o hoje ministro da Defesa para o serviço de estágio, os militares o monitoraram por pelo menos cinco anos, entre 1980 e 1985.

Naquele período, a resistência armada ao regime autoritário já havia sido massacrada em todo o país. Mas remanescentes socialistas flertavam com o renascimento do movimento sindical, o que passou a atrair a atenção da repressão.

Jaques Wagner entrou no radar dos arapongas justamente porque se tornara líder sindical da indústria petroquímica, atuando no Polo de Camaçari (BA).

Ele viria a ser o primeiro presidente do PT na Bahia e, ainda, o primeiro presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) no Estado.

APARIÇÕES

A maioria dos 147 papéis com seu nome no Arquivo Nacional foi produzida pelo extinto SNI (Serviço Nacional de Informações), do qual a Divisão de Segurança da Petrobras fazia parte.

O conjunto, no entanto, é pouco informativo sobre suas atividades políticas.

Wagner é frequentemente citado como "comunista" ou "subversivo", mas pouco é dito sobre sua atuação. Na maior parte das vezes, os papéis falam apenas de suas aparições públicas.

Em 1983, o sindicalista é visto por agentes no lançamento de um livro crítico ao governo. Outro registro foi durante uma visita do embaixador da Nicarágua a Salvador (BA).

Dois anos depois, ele aparece num relato sobre uma convenção municipal do PT. Wagner também é citado em diversos documentos de 1982 sobre a participação de "militantes e ex-militantes de organizações subversivas ligados a sindicatos e associações de classe"

Naquele ano, o hoje ministro da Defesa foi descrito como militante da APML (Ação Popular Marxista Leninista), dissidência da AP (Ação Popular), organização de esquerda com influência católica que combateu o regime.

Não há, contudo, nenhuma explicação de como essa militância seria ou que elementos ligam Wagner a ela.

Um dos poucos papéis que cita, ainda que superficialmente, o que Wagner fazia como militante de esquerda é de 1984: "Semanalmente, as fábricas do Polo Petroquímico de Camaçari vêm sendo visitadas pelos sindicalistas [...] Antônio Renildo Tana de Souza e Jaques Wagner", informa o documento.

ESTUDANTE

Dois anos depois do fim da ditadura, em 1987, já em pleno governo José Sarney, o primeiro civil após 20 anos de presidentes militares, Wagner é citado num relatório sobre a visita do histórico líder comunista Luis Carlos Prestes (1898-1990) à capital baiana.

A Folha não localizou no Arquivo Nacional documentos sobre sua atuação no movimento estudantil, a origem de sua militância política.

Em suas campanhas, Wagner sempre divulgou ter sido presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Engenharia da PUC-Rio quando, em 1973, sob o risco de ser preso pela ditadura, teve de fugir. Antes de chegar à Bahia, passou por Minas Gerais.

Wagner não é o primeiro ministro da Defesa petista que combateu os militares. O também ex-governador da Bahia Waldir Pires, que comandou a pasta no governo Lula, chegou a se exilar.

A Folha não conseguiu conversar com Wagner sobre o assunto. Sua assessoria disse que ele é "orgulhoso" de sua militância política.

Ele assume o comando dos militares num momento em que a relação entre o governo e as Forças Armadas está tensa pelo relatório da Comissão Nacional da Verdade. O documento responsabilizou 377 militares por mortes e tortura durante a ditadura.


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