Folha de S. Paulo


Folha acompanhou a Comissão da Verdade desde sua origem

Durante os dois anos em que a Comissão Nacional da Verdade apurou as violações aos direitos humanos cometidas no Brasil entre 1946 a 1988, a Folha acompanhou todo o processo, que envolveu revelações surpreendentes, depoimentos marcantes e controvérsias.

O primeiro passo foi a aprovação da comissão pelo Congresso em outubro de 2011, com base em proposta elaborada pelo Executivo no ano anterior.

A dificuldade inicial da Comissão da Verdade foi demonstrar que a iniciativa não era "revanchismo" ou uma tentativa de anular a Lei de Anistia. Mesmo sem o poder de punir, a comissão despertou inquietação entre os militares.

Os integrantes da Comissão da Verdade foram anunciados apenas em maio de 2012, após seis meses de espera. A inclusão de Rosa Maria Cardoso da Cunha, amiga e advogada de Dilma Rousseff na época em que a presidente foi presa pelo regime militar, suscitou críticas quanto aos objetivos da investigação.

Os membros da comissão tomaram posse poucos dias depois de nomeados, 27 anos após o fim da ditadura militar (1964-1985).

Na ocasião, a Folha elaborou dez perguntas para a Comissão da Verdade, que questionavam desde o destino dos guerrilheiros do Araguaia até o funcionamento da Operação Condor, ação secreta empreendida pelas ditaduras do Cone Sul para perseguir militantes de esquerda.

Entre os depoimentos mais aguardados estava o de Harry Shibata, legista que atuou no IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo nos anos 70. Ele foi chamado para falar sobre os laudos e atestados de óbito que assinava para os militares - um deles sobre a autópsia do cadáver do jornalista Vladimir Herzog. Mas o testemunho decepcionou a comissão, e Shibata negou sua responsabilidade nos episódios.

Em setembro de 2012, a Comissão da Verdade resolveu acabar com a polêmica sobre os alvos de investigação e anunciou que se limitaria a apurar a ação de agentes do Estado. Os militares exigiam também a investigação sobre a esquerda armada que teria cometido sequestros e atentados em sua batalha contra o regime militar.

O primeiro resultado prático da comissão foi a alteração da certidão de óbito de Vladimir Herzog, morto em 1975 no DOI-Codi de São Paulo. Acatando um pedido do grupo e da viúva do jornalista, Clarice, a Justiça paulista aprovou a troca do termo suicídio por uma sentença explicitando que a causa da morte foram "lesões e maus-tratos" sofridos nas mãos dos militares.

Um dos testemunhos mais controversos foi o do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-Codi de São Paulo de 1970 a 1974, período mais violento da repressão contra opositores do regime militar. Em audiência pública presenciada pela reportagem da Folha, Ustra defendeu sua atuação na época contra o que chamou de "organizações terroristas" que tinham o objetivo de instalar no país a "ditadura do proletariado".

Após o depoimento de Ustra, cresceu novamente a pressão pela revisão da Lei da Anistia. Enquanto o Ministério da Justiça negava essa opção, uma crise se instalou na Comissão da Verdade em torno dos objetivos das investigações, levando à renúncia de um dos membros, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles.

Em março de 2014, o depoimento do coronel reformado Paulo Malhães insuflou o debate sobre eventuais punições a militares. Sem demonstrar incômodo, Malhães explicou como funcionava a Casa da Morte em Petrópolis (RJ) e admitiu ter torturado, matado e ocultado cadáveres de presos políticos. Apesar disso, ele negou ter ocultado a ossada do ex-deputado Rubens Paiva, morto em 1971.

Em novembro, a Comissão da Verdade anunciou que iria pedir a responsabilização criminal dos agentes públicos que cometeram crimes na ditadura no seu relatório final, que foi apresentado nesta quarta-feira (10).

Nele constam os nomes de militares e policiais responsabilizados por crimes no período e um posicionamento do grupo sobre a Lei da Anistia.

A posição da comissão sobre a legislação não terá efeito prático imediato, mas a pressão política pode ajudar em um eventual reexame do tema.


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