Folha de S. Paulo


Propostas de candidatos se aproximam no social e se afastam na economia

Em uma campanha marcada por ataques pessoais e polarização do eleitorado, a presidente Dilma Rousseff (PT) e seu adversário Aécio Neves (PSDB) pouco discutiram ou confrontaram suas ideias para um próximo governo.

Em suas campanhas, os dois colocaram em destaque propostas na área social. Justamente temas em que apresentam poucas diferenças.

Tanto Dilma quanto Aécio se comprometeram a manter programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, e expandir outros, como o Minha Casa, Minha Vida. O tucano propõe ainda novos benefícios, como o Poupança Jovem, que pagaria R$ 3.000 a alunos da rede pública que concluírem o ensino médio.

Na área econômica, os candidatos têm mais diferenças, mas o debate foi pautado pelo confronto de gestões passadas do PT e do PSDB.

Embora ambos prometam controlar a inflação, Dilma fala em uma redução gradual para mantê-la dentro do limite –que hoje é de 6,5%.

Já Aécio defende voltar ao centro da meta, de 4,5%, e, depois, baixá-la para 3%.

O tucano enfatiza incentivos ao investimento privado, enquanto a petista aposta no papel de bancos públicos para obras de infraestrutura.

Como lidar com os desafios futuros, como a prevista alta do dólar, as limitações ao crescimento econômico e a crescente restrição orçamentária do governo foram assuntos praticamente ignorados.

Temas polêmicos, como tornar crime a homofobia, só apareceram nas propostas dos dois candidatos depois de confrontos incentivados pelos opositores nanicos, ainda no primeiro turno.

A própria apresentação (ou não) dos programas de governo foi assunto desta eleição. Marina Silva (PSB), a primeira a divulgar um documento com propostas, corrigiu-se em sua posição sobre casamento gay. Marqueteiros e opositores usaram o recuo para criticá-la e desaconselharam seus candidatos a publicar suas ideias.

Aécio Neves só apresentou o programa do PSDB na última semana antes do primeiro turno. Dilma desistiu da divulgação de um documento mais encorpado e chega ao final da eleição com apenas as diretrizes básicas apresentadas em julho, por exigência da Justiça Eleitoral.

As propostas listadas a seguir são resultado de pesquisa nesses documentos, sites oficiais, entrevistas e participações nos debates na televisão.

PROBLEMAS O QUE PROPÕE DILMA O QUE PROPÕE AÉCIO
Reforma política - O sistema eleitoral é considerado, pelos próprios políticos, fator que incentiva a corrupção e a infidelidade partidária. O STF analisa proposta da OAB que proíbe o financiamento de empresas a campanhas políticas. Manifestações nas ruas demonstraram insatisfação com a representação política. Participação popular por meio de plebiscitos em temas considerados importantes; criar conselhos de representantes da população para discussão permanente; propor reforma política para acabar com o financiamento de empresas em campanhas políticas, por fim às coligações para eleições proporcionais e instituir o voto para deputado em lista elaborada pelo partido. Propor reforma para acabar com a reeleição a partir da eleição de 2022, com fixação de mandatos de cinco anos para presidente, governadores e prefeitos; unificar o calendário eleitoral; criar o voto distrital misto (parte dos deputados é eleita pelos distritos e outra parte é eleita a partir de lista elaborada pelo partido); estipular um mínimo de votos para que um partido tenha direito a ter tempo de TV e a receber recursos do fundo partidário.
Infraestrutura e mobilidade - O transporte público nas cidades é insuficiente e caro. São Paulo, a maior cidade do país, tem 78 km de metrô, menos do que Santiago e quase um terço da malha de Paris. A infraestrutura deficitária faz com que o transporte da soja do Mato Grosso até Santos, por exemplo, seja mais caro do que levar o mesmo grão de navio do Brasil até a China. Financiamento de obras, com recursos públicos, para que cidades e Estados invistam em metrô, trem, BRT, VLT e transporte fluvial; dar continuidade ao processo de modernização e ampliação de rodovias, portos e aeroportos por meio de concessões ao setor privado. Apoiar PPPs (parcerias público-privadas) e concessões de serviços de transporte; incentivar o transporte sobre trilhos, com recursos subsidiados para obras nos centros urbanos; elevar a taxa de investimento de 16% para 24% do PIB; na infraestrutura, aprimorar a elaboração dos projetos e regular o papel do Estado e das empresas nas obras; estimular investimentos privados.
Política externa - Para voltar a crescer, o Brasil precisa exportar mais, principalmente produtos industriais. Porém, o país negociou poucos acordos para abertura de mercados nos últimos anos e está distante das conversas para a ampliação do comércio entre o Ocidente e a Ásia. Prioridade às negociações com América Latina e África, aumentando o intercâmbio entre os países do Hemisfério Sul; fortalecimento da aliança com os BRICS (grupo que reúne, além do Brasil, Índia, Rússia, China e África do Sul). Prioridade às negociações com os países desenvolvidos, como os da União Europeia e Estados Unidos. Revisão do relacionamento com os vizinhos da América do Sul. No Mercosul, adotar uma política que permita mais liberdade para o Brasil negociar acordos comerciais fora do grupo.
Segurança pública - Estatísticas oficiais mostram que houve um aumento relevante dos roubos nas grandes cidades e dos homicídios no interior do país. A divisão de tarefas entre polícia Civil e Militar tem sido pouco produtiva: menos de 4% dos casos de homicídio são solucionados. Quem vai preso, é colocado em penitenciárias que, em geral, estão superlotadas. Mudar a legislação para que a União tenha maior responsabilidade sobre a segurança; tornar permanente o modelo adotado nas 12 capitais que sediaram a Copa do Mundo, com integração das polícias estaduais e federal, coordenadas por centros de comando; incentivar os Estados a aderirem aos programas Brasil Seguro e Crack, É Possível Vencer; criar a Academia Nacional de Segurança Pública, para formar analistas e policiais e difundir procedimentos padronizados. Ocupar áreas violentas com unidades que reúnam serviço social e policiamento, inspirado nas UPPs (unidades de polícia pacificadora) do Rio; reduzir a maioridade penal para 16 anos em caso de crimes violentos, como homicídio, estupro e sequestro; ajudar os Estados para liberar 50 mil policiais para trabalhar nas ruas e implantar um sistema de informações unificado.
Ensino básico e médio - O ensino fundamental já alcança mais de 90% das crianças com idade entre 6 e 14 anos, mas a qualidade é um desafio. No ensino médio, quase 20% dos jovens com idade para estudar não estão na escola. Os professores ganham pouco e muitos não têm a formação adequada para lecionar. Oferecer educação em tempo integral em 20% da rede pública até 2018; reformar os currículos do ensino fundamental e médio; valorizar o professor; destinar recursos do pré-sal para a educação. Ampliar a jornada de trabalho dos professores para 40 horas semanais para remunerar o trabalho extra-classe; criar o Promédio (bolsas de estudo para que jovens pobres possam estudar em escolas particulares); flexibilizar o currículo do ensino médio; implantar o Poupança Jovem, que dará R$ 3.000 aos jovens que concluírem o Ensino Médio, e o Mutirão de Oportunidades, que pagará um salário mínimo aos jovens voltarem à escola.
Ensino profissionalizante e superior - Apesar dos avanços, segundo a OCDE, apenas 13% da população com idade entre 25 e 64 anos tem ensino superior, uma das marcas mais baixas entre 38 países analisados. A baixa formação do trabalhador brasileiro é uma das razões da menor eficiência da economia e crescimento limitado. Ampliar em 12 milhões as vagas do Pronatec (programa de ensino técnico e profissionalizante); conceder mais 100 mil bolsas do Ciência sem Fronteiras até 2018; ampliar o Prouni e o FIES (financiamento para pagamento de mensalidades em universidades privadas). Aperfeiçoar o Pronatec; oferecer cursos técnicos que considerem a necessidade de cada Estado e que sejam articulados ou sequenciais ao ensino médio; criar programa de incentivo à conclusão do ensino superior e outro para custear a moradia de universitários que estudem fora de sua cidade; estimular o intercâmbio de professores e alunos.
Mais Médicos e SUS - Mesmo com o programa Mais Médicos, ainda faltam profissionais de saúde básica em municípios mais distantes e na periferia das cidades. Há filas nos hospitais e longa espera para consultas e exames especializados. União e Estados gastam pouco com o SUS. Expandir o Mais Médicos mantendo as atuais regras de contratação de estrangeiros; criar o Mais Especialidades, rede de clínicas públicas e privadas para consultas e exames; ampliar as Upas (Unidades de Pronto Atendimento), o Samu e o acesso a medicamentos; rediscutir o papel de Estados e municípios no investimento em saúde para evitar superposição e de planejar com mais eficiência a distribuição dos serviços. Equiparar o salário de profissionais cubanos aos de outras nacionalidades e exigir a revalidação dos diplomas de estrangeiros; criar centros regionais de especialidades para consultas e exames; destinar 10% da receita bruta da União à saúde; no SUS, instituir a carreira nacional dos profissionais, com premiação por mérito; ampliar o programa Saúde da Família e rever a tabela que remunera hospitais conveniados, como as Santas Casas.
Programas sociais - Apesar da trajetória de queda da pobreza, ainda há 6,5 milhões de miseráveis no Brasil, todos fora do Bolsa Família. Para os beneficiários, faltam mecanismos para reduzir a dependência do programa. Desde 2003, apenas 10% abriram mão do benefício voluntariamente. Na moradia, o problema também é grande: o déficit habitacional brasileiro é de 6,9 milhões de casas. Ampliar os programas existentes; construção de mais 3 milhões de unidades no Minha Casa Minha Vida; defesa do microcrédito a beneficiários do Bolsa Família como forma de estimular os pequenos negócios dessa população. Transformar o Bolsa Família em política de Estado e garantir o pagamento, por seis meses, a beneficiários que conseguirem emprego formal; separar as famílias de acordo com o seu risco social para criar programas diferenciados para cada necessidade; criar o Banco Travessia, programa em que o governo dá dinheiro a quem estuda ou tenta se qualificar profissionalmente; aprimorar o Minha Casa, Minha Vida.
Previdência - O envelhecimento da população e a aposentadoria precoce do trabalhador deverão causar, nos próximos anos, uma expansão no já grande rombo da Previdência. Hoje, o deficit previdenciário está em torno de 1% do PIB. Para 2050, ele deve chegar ao equivalente a quase 6% do PIB. Não apresentou propostas. Em seu programa, há só uma referência ao tema, em que trata do aumento das contribuições com a criação do MEI (microempreendedor social). Comprometeu-se a discutir uma alternativa ao fator previdenciário; criar o DignaIdade, programa que corrigiria as aposentadorias com valor acima de um salário mínimo de acordo com a variação dos preços dos remédios.
Inflação e salário mínimo - O custo de vida aumentou e a inflação está acima do limite estipulado pelo governo (6,5% ao ano). Expira em 2015 a atual regra de correção do salário mínimo, que leva em conta o crescimento do PIB e a inflação. A política foi importante para a melhoria da qualidade de vida, mas também é fonte de despesas crescentes do governo. Reduzir a inflação gradualmente e mantê-la dentro do limite (6,5%) fixado pelo governo. Manter a política de valorização do salário mínimo, mas não diz se manterá a atual regra de correção. Reduzir a inflação para a meta, de 4,5%, e depois buscar uma inflação menor, de 3% ao ano; reduzir o intervalo de tolerância da inflação dos atuais 2 pontos percentuais para 1,5 ponto; sobre o salário mínimo, se comprometeu em manter a atual regra de reajuste até 2019.
Segurança hídrica e saneamento - A pior seca das últimas décadas em São Paulo evidenciou um problema que se espalha pelo país que são os baixos investimentos no setor. Segundo dados do IBGE, o percentual de lares atendidos por água encanada está estagnado em 85% e o saneamento básico só alcança 6 em casa 10 casas brasileiras. Dar continuidade aos programas que levam água a regiões secas, como a transposição do rio São Francisco; no saneamento, investimentos aumentaram nos últimos anos e obras estão em execução. Estimular a preservação vegetal em mananciais em áreas privadas por meio de incentivo a produtores rurais que conservem reservas em suas propriedades; criar regras que estimulem o reúso de água na indústria; no saneamento, acelerar e simplificar a liberação de investimentos públicos; acelerar parcerias público-privadas e destravar investimentos públicos e de fundos de pensão; unificar a coordenação dos projetos em um único ministério.
Impostos - Relatório do Banco Mundial coloca o Brasil na 159ª posição, entre 189 países, quando o assunto é pagamento de impostos. As empresas gastam cerca de 2.600 horas por ano só para cumprir a burocracia necessária para pagar os tributos. Além disso, o Brasil tem uma das mais altas cargas tributárias (36% do PIB) entre os países em desenvolvimento. Reforma tributária gradual, visando a unificação do ICMS e a simplificação do PIS/Cofins; desonerar a folha de pagamentos a setores selecionados. Diminuir o acúmulo de impostos ao longo da cadeia produtiva; unificar taxas como ICMS, PIS, Cofins e IPI em um imposto único: o IVA (Imposto sobre Valor Adicionado); corrigir a tabela do Imposto de Renda e desonerar exportações; criar um cadastro fiscal único (número de identificação do cidadão que será usado para votar, receber benefícios, matricular-se na escola, ser atendido no SUS etc).
Mulheres, Negros e LGBT - O grupo é mais suscetível a preconceitos relativos a gênero, cor e orientação sexual. Com isso, nem sempre têm acesso igualitário a vagas no mercado de trabalho, ao ensino e a direitos civis. Casos frequentes de violência contra mulheres e homossexuais são registrados no país. Implantar nas capitais a Casa da Mulher Brasileira, que reúnem delegacia de atendimento à mulher, juizado, atendimento psicológico e orientação para o trabalho; colocar em prática lei que separa 20% das vagas nos concursos públicos para negros; comprometeu-se em defender lei que criminaliza a homofobia. Comprometeu-se em manter as cotas raciais e socioeconômicas; tratar toda discriminação como crime; criar o Fórum Nacional de Diálogo, para reunir demandas de negros, indígenas, ciganos, quilombolas e LGBT; criar benefício social de proteção às mulheres vítimas de violência; ampliar licença maternidade de mães de bebês prematuros.

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