Folha de S. Paulo


Presidente lançou-se candidata em 2010 por indicação de Lula

Dilma Rousseff (PT), a primeira mulher a assumir a Presidência da República, torna-se também a primeira a conseguir se reeleger.

A petista derrotou Aécio Neves (PSDB) neste domingo (26) e dará continuidade a mais quatro anos do PT no poder.

No primeiro turno, Dilma teve quase 43,268 milhões de votos, ou 41,6% do total de válidos. Aécio recebeu 34,897 milhões de votos, ou 33,5%.

Dilma passou boa parte do tempo atrás de seus concorrentes, de acordo com pesquisas eleitorais -Marina Silva (PSB) liderou durante quase o primeiro turno, mas não seguiu adiante; e o tucano permaneceu dias à frente no segundo turno-, mas conseguiu vencer a mais imprevisível das campanhas desde 2002 em meio a forte pressão do mercado financeiro, de cobrança por mudanças e de um intenso ataque nas redes sociais (tanto contra ela quanto contra seus adversários).

Em seu segundo mandato, seu governo terá de enfrentar o escândalo das denúncias de corrupção na Petrobras, além de problemas econômicos como crescimento baixo, inflação alta, arrecadação em queda, restrição fiscal e câmbio subindo.

Outro desafio será o diálogo com o Congresso, que na próxima legislatura terá um perfil mais conservador e com uma oposição maior do que a que ela encontrou no mandato atual.

Dilma conseguiu seu primeiro mandato na eleição de 2010, impulsionada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de quem foi ministra. Foi Lula quem colou nela a imagem de "mãe do PAC", que alguns meses após assumir o Planalto mostrava-se iniciadora de "faxina ética" no governo.

Leitora minuciosa de jornais, a presidente demitiu seis ministros num intervalo de menos de 12 meses —sem contar o mais importante de todos, pelas articulações com o meio empresarial: Antonio Palocci, da Casa Civil.

A demissão de Palocci não foi o único fator a dar uma espécie de "carta de alforria" para Dilma exercer sua vocação centralizadora no governo. Diagnosticado com um câncer na garganta em outubro de 2011, Lula se afastaria dos bastidores de Brasília. A autoconfiança da "faxineira" já não tinha como diminuir.

Juan Osborne
Ilustração feita com as palavras do discurso de Dilma na convenção do PT em junho
Ilustração feita com as palavras do discurso de Dilma na convenção do PT em junho

Em 2012, acabariam as reuniões de coordenação no Planalto, nas quais ela se reunia com os principais assessores para discutir a agenda e aparar arestas.

Torturada durante a ditadura militar, Dilma terá guardado do período de clandestinidade uma aversão profunda ao vazamento de informações –o que restringe o compartilhamento de pontos de vista em discussões internas. Com o fim das reuniões, alguns ministros passaram a se encontrar sem sua presença, para afinar discursos e estratégias. "Isso é conspiração!", reagiu a presidente.

O melhor exemplo da atitude centralizadora de Dilma está no controle que ela exerce sobre o plano de voo do avião presidencial. Para evitar turbulências, o piloto é forçado a ziguezagues e desvios de rota. "Estamos indo para a África?" perguntou certa vez o ex-presidente José Sarney, que pegava uma carona, ao ver na tela do avião a curva imposta ao trajeto do piloto.

O detalhismo de Dilma encontra outro exemplo num diálogo com sua equipe de segurança, nos preparativos para o desfile de 7 de setembro do ano passado. Escaldada pelas manifestações de junho, Dilma estudou a exata localização das grades e arquibancadas da parada. "Põe mais cercas", determinou.

Um episódio de infância, narrado pelo jornalista Ricardo Batista Amaral em "A vida quer é coragem" (ed. Primeira Pessoa, 2011), revela a altivez da futura presidente.

Numa festinha, a amiga aniversariante exibia a boneca importada, do tamanho de uma criança real, que tinha acabado de ganhar. As convidadas, diz o biógrafo, "faziam fila para admirar a novidade, mas Dilminha, de braços cruzados, não quis chegar nem perto".

A aniversariante dirigiu-lhe uma pergunta imprudente. "Não quer carregar minha boneca?" Dilma respondeu que não. "O meu pai vai me dar uma boneca maior que a sua".

Muitos anos depois, em pleno governo Lula, a "rapidez no gatilho" da ex-militante do grupo VAR-Palmares se voltaria contra Marina Silva, sua colega de ministério. Debatia-se a construção de usinas no rio Madeira. "Ou fazemos as usinas ou vamos ter de queimar carvão em termelétrica. É isso o que você quer?", perguntou Dilma, então ministra das Minas e Energia.

Discussões desse tipo haverão de ter sido café pequeno para quem, com pouco mais de vinte anos, divergia do capitão Carlos Lamarca (1937-1971) sobre os rumos da luta contra a ditadura.

No congresso da VAR-Palmares em Teresópolis, em 1969, Dilma defendia a ala dos "políticos" dentro do movimento, contra os "militares" de Lamarca. Considerava mais importantes as tarefas de organização popular do que partir para a guerrilha.

A discordância levaria Lamarca, segundo Ricardo Amaral, a um nervosismo extremo, incluindo choro "e pelo menos um tiro de ameaça".

DESFEITAS E SOLIDÃO

Ainda que não tenha sido nenhuma intervenção particular de Dilma o motivo do descontrole de Lamarca, acumulam-se os casos em que a dureza da atual presidente tem sido capaz de abalar os mais experientes militantes.

A presidente levou às lágrimas José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras de 2005 a 2012, e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

Acessos de raiva também vitimam as escalas inferiores da hierarquia. Uma caixinha de remédios, por exemplo, foi arremessada no chão em instante tempestuoso de Dilma; em outro, roupas tiveram o mesmo destino.

A petista não é dada a pedir desculpas pelas desfeitas, mas reparações acontecem: uma camareira foi incluída no programa Minha Casa, Minha Vida por intervenção da presidente.

Detalhismo e caturrice, segundo muitos, paralisam o seu governo. Cabe perguntar, de todo modo, se nas reclamações sobre "falta de disposição para o diálogo" não há inconformismo quanto à determinação de Dilma em baixar as taxas de juros e em restringir as margens de lucro das empresas nas concessões de infraestrutura.

Diálogo por diálogo, o próprio Lula se ressente de não ter sido consultado –ainda que por questão de cortesia– quanto à candidatura dela à reeleição.

A solidão de Dilma parece ter-se acentuado nos últimos tempos. Quando um encontro de trabalho se prolonga até mais tarde, a presidente tem uma pergunta pronta para o interlocutor: "não quer tomar uma sopinha?" Não há informações sobre o que acontece a quem recusa.

TRAJETÓRIA

Nome completo: Dilma Vana Rousseff

Nascimento: 14 de dezembro de 1947, em Belo Horizonte (MG)

ANOS 1960 Integra grupos de combate à ditadura militar como a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), passando a viver na clandestinidade a partir de 1969

ANOS 1970 Em janeiro de 1970, é presa em São Paulo e fica detida na Oban (Operação Bandeirante), onde é torturada. É libertada em 1972. Em 1979, ajuda a fundar o PDT-RS

ANOS 1980 Em 1986, torna-se secretária da Fazenda da Prefeitura de Porto Alegre. Na eleição presidencial de 1989, faz campanha para Leonel Brizola (PDT). No 2º turno, apoia Lula (PT)

ANOS 1990 Assume, em 1993, a Secretaria de Energia, Minas e Comunicação do RS, no governo Alceu Collares (PDT). Volta ao cargo em 1999, no governo Olívio Dutra (PT)

ANOS 2000 Rompe, em 2001, com o PDT e filia-se ao PT. No governo Lula, é ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, e tem embates com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva

ANOS 2010 É a primeira mulher eleita presidente da República no país. Crescimento do PIB cai no seu governo. Concorre, em 2014, a um segundo mandato ao Palácio do Planalto

RELAXAR

Quando não está devorando algum livro, Dilma costuma ver desenhos animados na TV. Também é fã dos seriados americanos. Ficou viciada em "Game of Thrones"

MARMITA

Nas viagens internacionais, Dilma costuma levar uma marmitinha. Nela, leva feijão, ovo caipira, arroz e queijo minas. Em viagem à Inglaterra, sentiu fome antes de um encontro com a rainha. Só descansou quando um assessor fritou dois ovos

MINISTRO

Celso Kamura, maquiador e hair stylist, é sempre requisitado por Dilma. Antes de um encontro com Barack Obama, a presidente indagou, um tanto impaciente, onde ele estava. A pergunta foi tão incisiva que um dos militares da comitiva foi visto procurando, um tanto nervoso, "o ministro Kamura"

HIDRATAÇÃO

Para aguentar a campanha, Dilma substituiu a água por água de coco. Assessores acompanham a chefe com uma garrafa com a bebida

BRINCOS

A presidente tomou gosto pelo contato com a população. Em Duque de Caxias, atirou-se em um grupo de pessoas de forma tão intensa que saiu sem os brincos


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