Folha de S. Paulo


Programa atende 150 ativistas de direitos humanos sob ameaça

Rondônia, zona rural de Vilhena. Já passa da meia-noite. Uma caminhonete estaciona em frente à propriedade de Adilson Alves Machado, 43, e joga luz alta na porta de sua casa. Fica assim um bom tempo, depois se vai.

Esse é um método de intimidação. Um dos vários usados por pistoleiros da região. Às vezes, tiros são ouvidos a menos de 50 metros. Em outras, pessoas rondam a área.

Dois cães de Adilson já foram mortos envenenados.

Conselheiro da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ele está marcado para morrer e sabe que os recados não são brincadeira. Seu amigo Ademir José de Carvalho sumiu na véspera do Natal de 2010. O corpo nunca foi achado.

Adilson Alves Machado/Divulgação
Casa do trabalhador rural José Castorino, destruida por pistoleiros em Vilhena
Casa do trabalhador rural José Castorino, destruida por pistoleiros em Vilhena

"Falaram que iam dar um tiro na minha cabeça, que cortariam meu pescoço", diz ele, que fica sabendo das ameaças pelos vizinhos.

Há quatro anos na lista dos ameaçados de morte elaborada pela pastoral, ele integra o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos do governo federal. Já denunciou fazendeiros por desmatamentos ilegais e ajudou agricultores em outros conflitos.

A iniciativa do governo federal, criada em 2004, atende hoje a 150 pessoas.

Desse total, 88 são casos ligados à terra, seguidos pelos que envolvem povos indígenas (37), meio ambiente (27) e povos quilombolas (25).

Só neste ano, segundo a CPT, 29 pessoas foram mortas em conflitos de terra.

Nos quatro anos do governo Dilma Rousseff (PT), foram 128 mortes, número menor que nos primeiros mandatos de FHC (184) e Lula (191), ainda de acordo com dados da Pastoral da Terra.

Segundo Fernanda Calderaro, coordenadora do programa, são raros os casos em que os ameaçados recebem escolta. A prerrogativa do programa é manter as pessoas nos locais onde atuam, para não validar a ação dos ameaçadores, e fazer com que o Estado esteja mais presente onde as leis são fracas.

Assim, segundo ela, os pistoleiros percebem que nem tudo é "terra sem lei". "Nós trabalhamos para articular os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para nos auxiliar na execução de medidas. A pessoa que está ameaçando muda o olhar. Sabe que, se atentar contra a vida de alguém, vão saber quem foi."

Para Cosme Capistano da Silva, 49, agente da CPT ameaçado de morte em Boca do Acre, é a fragilidade das leis que explica a violência. "A polícia a gente teme porque age com truculência com os trabalhadores. E a Justiça local não faz nada", diz.

AMEAÇA DO ESTADO

Bahia. Quilombo Rio dos Macacos, em Salvador. Uma das líderes da antiga comunidade formada por escravos, Rosimeire dos Santos Silva, 36, se sente ainda mais desprotegida. Para ela, a ameaça parte da própria Marinha.

Por isso, ela não pensa em pedir proteção ao Estado. "Como o governo vai dar proteção se é ele que manda matar? A gente não confia", diz.

O único acesso para o quilombo passa por uma área das Forças Armadas. Nos portões da vila militar, os oficiais controlam quem entra e quem sai da comunidade.

Rosimeire reclama que os advogados que defendem o quilombo e médicos são proibidos de entrar no local.

Em janeiro, Rosimeire e seu irmão foram agredidos por militares. "A gente não dorme à noite. Pessoas ficam próximas vigiando a gente, inclusive fora da comunidade", diz. O quilombo pede a construção de uma estrada que contorne a vila militar.


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