Folha de S. Paulo


Em cidade embrião do Bolsa Família, 220 famílias ainda esperam benefício

"A minha filha chega da escola e às vezes chora e diz: 'Mãe, por que todo mundo tem Bolsa Família e a gente não tem?'."

Mas a agricultora Claudina Trindade, 25, não sabe a resposta. Mesmo dentro do perfil do programa e com o cadastro preenchido há sete anos, quando estava no final da gravidez da filha única, ela não recebeu o cartão que lhe daria o direito a um benefício que, em Guaribas (648 km de Teresina), gira em torno de R$ 224 mensais.

A cidade foi escolhida no início do governo Lula, em fevereiro de 2003, para ser o marco zero do programa Fome Zero, depois substituído pelo Bolsa Família. Desde então, se tornou a principal fonte de renda da cidade, que sofre com uma seca que se arrasta há quatro anos e com o isolamento -o acesso inclui 54 km em estrada de terra.

Sem o benefício e com o marido fazendo bicos ocasionais, a família de Trindade depende dos R$ 200 que ganha dos avós aposentados e, a partir deste mês, dos R$ 170 mensais do Garantia-Safra a que têm direito.

"Não dá pra nada. Só tem leite pra menina cinco dias por mês", diz Trindade, moradora do distrito Cajueiro, a 30 km do centro da cidade. Vivem ali cerca de 1.500 pessoas.

Segundo o Cras (Centro de Referência da Assistência Social) de Guaribas, responsável pelo cadastramento, 220 famílias cadastradas têm o perfil do Bolsa Família, mas não recebem o dinheiro. O número representa 19,7% das famílias com o perfil do programa -renda per capita mensal de até R$ 154.

O principal problema, segundo o Cras, que tem funcionários cedidos pela prefeitura, é que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) usa como parâmetro o Censo do IBGE de 2010, que contou 742 famílias guaribanas dentro do perfil do Bolsa Família.

"Há uma diferença à medida que nos distanciamos da data em que foi feito o Censo. Essa diferença costuma ser maior nos municípios menores", afirmou o MDS. "Já no cadastro único, a situação de pobreza é registrada de forma mais dinâmica."

Não há planos para uma expansão do programa em Guaribas, segundo o MDS. Assim, as famílias na fila de espera só conseguem entrar quando outra é excluída, o que é bastante raro, dada a falta de oportunidades econômicas em Guaribas -os casos mais comuns são de exclusão após aposentadoria.

A reportagem da Folha apurou que, no ano passado, uma família em situação miserável que esperava havia um ano foi incluída diretamente no Bolsa Família pelo Cras local após um caso de descadastramento, embora o procedimento caiba exclusivamente ao Ministério do Desenvolvimento Social.

"Fiz por conta própria para não deixar a família passar fome", justificou um funcionário do Cras sob a condição de anonimato. "A mãe estava grávida do segundo filho, o pai não tinha emprego. A casa não tinha reboco nem banheiro, eles só comiam feijão com farinha."

Apesar dos problemas, todos os guarabiranos ouvidos pela reportagem durante os dias na cidade afirmam que a qualidade de vida melhorou a partir do governo Lula.

"Antes, era só feijão e farofa. Às vezes, não tinha dinheiro pra comprar sal", diz a agricultora aposentada Francisca Rocha, 59. "Hoje, é difícil faltar mistura."

Além do Bolsa Família, outra melhoria citada pelos moradores é a chegada da água encanada, restrita ao centro. Na área rural, a principal mudança foi a luz elétrica.

"No começo, a gente bebia água gelada e achava estranho, botava a mão na boca", lembra a agricultora Maria Dias, 37, moradora do distrito de Sítio, a 16 km do centro, onde a energia chegou em 2011.

A popularidade do Bolsa Família é refletida na votação de Dilma Rousseff -89,9%. Os eleitores incluem até o funcionário público Aclecio da Silva, 25, filiado ao PSDB.

"As ideias da Dilma eram muito superiores do que as da Marina", disse Silva. Ele explicou que não votou em Aécio Neves porque achava que o tucano não tinha chances.

Danilo Verpa/Folhapress

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