Folha de S. Paulo


Leia e ouça trechos do depoimento de Alberto Youssef à Justiça

Em depoimento prestado à Justiça Federal na quarta-feira (8), o doleiro Alberto Youssef explica detalhes do funcionamento do esquema de corrupção na Petrobras que teria irrigado as campanhas eleitorais do PT, PMDB e PP nas eleições de 2010.

Depoimento - parte 1

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Depoimento - parte 2

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Depoimento - parte 3

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Depoimento - parte 4

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Leia trechos a seguir:

*

Alberto Youssef - No decorrer do tempo que o Leonardo [Meirelles, um dos sócios do laboratório Labogen, que foi contratado pelo Ministério da Saúde para produzir medicamentos] estava prestando serviço para mim, ele ficou me devendo uma parcela, alguns valores, em torno de R$ 3 milhões e pouco, R$ 4 milhões e pouco. Não tinha condições de pagar. Falei: "O que você tem para a gente resolver esse assunto?". Ele falou: "Eu tenho a Labogen". Então vamos dar um jeito de botar a Labogen para funcionar, para a gente ter um retorno disso. Assim foi feito. Eu arrumei mais dois investidores, que também investiram na Labogen, eu também investi mais R$ 1 milhão e pouco, foi feita a indústria, e com isso a gente estava arrumando toda a documentação, parte operacional, para que a Labogen fosse uma empresa, um laboratório farmoquímico normal, prestando serviço tanto para os laboratórios privados quanto para o Ministério da Saúde.

Juiz Sergio Moro - Esse aporte capital do sr. foi feito no Brasil?
Foi feito tudo aqui no Brasil.

O sr. sabe dizer se a Labogen de fato exportou ou importou mercadorias, ao longo desse período, de 2009 a 2014?
Eu acredito que ele até importava alguma coisa, não sei se de fato tudo, mas alguma coisa acredito que ele deva ter importado.

Ela esteve em atividade nesse período, então?
Acho que ela não teve atividade de produção, mas teve atividade de importação.

Mas, como o sr. mencionou, a maioria dos repasses para o exterior eram no intuito de viabilizar uma operação de dólar cabo?
Isso era uma operação que ele fazia, era um negócio dele totalmente à parte.

Advogado - Como o sr. conheceu o Leonardo Meirelles?
Através do Valdomiro, fui apresentado pelo Valdomiro.

E o Leonardo Meirelles apresentava esses serviços em que localidade?
Olha, quando eu conheci o Leonardo, eu nem sabia aonde ele tinha escritório. Depois eu sei que ele tinha escritório no Itaim, e depois eu sei que ele frequentava um escritório lá na zona norte. Mas nunca estive nesse escritório.

O sr. já esteve nessas localidades?
No Itaim eu fui.

E ele tinha alguma sala no GFD, ele cumpria carga horária no GFD?
Não, ele nunca esteve lá na GFD, nunca foi integrado ao GFD... Sempre esteve na GFD tratando de assuntos comigo, mas ele nunca ficou na GFD. Mas ele ia todos os dias na GFD.

O sr. era uma espécie de sócio oculto da Labogen?
Depois que a gente resolveu colocar a Labogen em funcionamento, a própria Labogen parou de fazer esses câmbios que o Leonardo fazia a pedido meu e dos outros investidores. E depois eu passei a ser um sócio oculto, sim, da Labogen.

E antes disso, qual era a sua relação com a Labogen? Não existia relação nenhuma antes?
Minha relação com a Labogen era simplesmente fazer TED para ele [Leonardo Meirelles] e receber reais dele, ou eventualmente mandar algum dólar na conta dele e receber dinheiro aqui.

E tinha uma relação, o sr. sabe dizer economicamente como era a vida do Leonardo Meirelles?
Olha, ele era sempre enrolado. Tanto é que ficou me devendo.

O sr. confiava nele para fazer os depósitos, de maneira tranquila? Tem uma ideia de qual foi o valor total de dinheiro mandado para fora do país através das empresas que estavam em nome de Leonardo Meirelles e terceiros?
Olha, eu não tenho nem ideia, porque eu não tenho esse controle. Eu mandava TED para ele, ele me mandava os reais. Agora, eu não tinha...

Como é que funcionava isso? O sr. mandar o TED e ele imediatamente lhe mandava o dinheiro em espécie aqui?
Não... Às vezes mandava parte no dia, às vezes mandava no outro dia, 48 horas depois, 72 horas depois.

Quem mandava antes?
Eu sempre mandei antes.

O sr. sabe quais as empresas que estava sob o controle do Leonardo Meirelles?
Olha, eu não me lembro. Mas, assim, de cabeça: Labogen, Química Fina, Piroquímica, Agamar, KFC, Hidrocemeadura. O que me vem à cabeça nesse momento é essas.

O Leonardo Meirelles, então, não era um funcionário seu?
Não, nunca foi.

Advogado da Sanko - Essa planilha que foi mencionada (inaudível).
Essa planilha foi elaborada pela Sanko.

E foi encontrada aonde?
Ela foi encontrada no e-mail da Fabiane, mandando para o e-mail que eu pedi, e foi encontrada também imprimida (sic) na busca e apreensão no meu escritório, na GFD.

Essa menção a respeito de todos os valores depositados na (inaudível...)
Na verdade, está bem especificado aí nessa tabela o que é comissão e o que é repasse. (...) Vou explicar novamente, doutor, para que o sr. entenda. Nesses valores que a Sanko Sider repassou tanto para a MO quanto para a GFD, parte era comissionamento da venda de tubos e realmente que ele me devia. Parte era valores que a Camargo Corrêa o repassou a maior, para que ele pudesse me repassar, correto? Para que eu pudesse pagar os agentes públicos Paulo Roberto Costa e assim por diante.

Quem é 'assim por diante'?
[Advogado: Doutor, aí entramos naquela questão, né?]
[Discussão entre Sérgio Moro e o advogado]
Vossa excelência eu posso esclarecer?

A questão de para quem ia esses valores?
Não, ele está perguntando, no meu entendimento, se o Márcio Bonilho sabia quem eram esses agentes públicos.

Ele sabia?
Olha, Marcio Bonilho frequentava o meu escritório. E sabia que o meu escritório era frequentado por várias pessoas, agentes públicos. Acredito que ele sabia.

Advogado de Marcio Bonilho - Esse comissionamento a que o sr. se refere, por serviços que o sr. prestou à empresa Sanko, foram objeto de pagamento ao sr. pela Sanko de que forma?
Olha, a Sanko, quando tinha algum pagamento para me fazer de comissionamento, não podia fazer esse pagamento na contabilidade dela, de modo que ela não exercia um caixa dois. Então, ela precisava que fossem emitidas notas. E assim foi feito. Parte das notas foi emitida ou pela MO ou pela empreiteira Rigidez, ou pela GFD, e assim foi me feito os pagamentos.

Esse pagamento foi feito pela rede bancária?
Exatamente.

Sempre?
Sempre.

Além dessa aproximação que o trabalho realizado pelo sr. que deu causa à comissão recebida, aproximação com a Camargo Corrêa, o sr. fez para a Sanko aproximação com outras empresas, que geraram contratos?
Sim, fiz. Fiz com várias empresas. Fiz com a Jaraguá, com a UTC, com o Consórcio Conest –que era OAS e Odebrecht–, fiz com a Tomé Engenharia, fiz com a Queiróz Galvão, fiz com a Galvão Engenharia. Na verdade eu apresentei a empresa Sanko para várias empreiteiras, não foi só para a Camargo Corrêa.

O sr. recebeu a comissão por esses contratos também?
Recebi também, está embutido ali.

E essa aproximação que o sr. fez da Sanko com outras empresas, contratos não chegaram a ser celebrados, embora o sr. tenha feito o seu trabalho?
Teve contratos que foram celebrados e teve contratos que ele não ganhou, isso aconteceu.

O sr. recebeu alguma coisa em razão desta aproximação, desse trabalho com as empresas cujos contratos não chegaram a ser fechados?
Não sr., vossa excelência. Não sr., doutor. Na verdade, eu só recebia quando realmente a Sanko efetivava a venda.

Há uma questão que precisaria ser esclarecida. Quando o sr. se refere que parte do dinheiro recebido da Sanko era a título de comissões pelos serviços prestados, e uma parte seria para repasse, segundo suas palavras, a agentes públicos ou outras pessoas, a pergunta que eu lhe faço é a seguinte: esse suposto repasse teria sido feito a essas empresas –a MO e a GFD– por sua indicação?
Sim, eu é que fazia as indicações para onde ele mandava esses valores.

E posteriormente a esses depósitos, esses recursos destinados a repasses, ficava com o sr.?
Não. Esse recurso, quando eu viabilizava ele em espécie, repassava estes valores para Paulo Roberto Costa, por intermédio do [Jenu] ou do [Seu Genro], e o que era parte dos agentes públicos eu repassava aos agentes públicos.

Advogado [dirigindo-se ao juiz Sergio Moro] - Excelência, data venia, embora já tenha conhecimento da decisão de vossa excelência, mais uma vez a defesa de Marcio e de Murilo vem à presença de vossa excelência para requerer a possibilidade de o depoente revelar os nomes dos agentes públicos para os quais foram destinados esses repasses. E esse pedido se justifica por dois motivos: o primeiro deles, porque quando o nosso pleito para ter acesso ao conteúdo da suposta delação premiada de Paulo Roberto Costa e o conteúdo da suposta delação premiada do próprio depoente, vossa excelência deferiu nosso pedido fundamentando que na oportunidade do interrogatório a defesa teria condições de ter acesso a todo o conteúdo desses depoimentos, uma vez que presente o depoente poderia ele esclarecer todos esses pontos. Considerando isso, venho mais uma vez requerer a vossa excelência que o depoente se manifeste sobre esse [inaudível]. Se vossa excelência assim deferir, para que nós possamos estabelecer o pleno contraditório, uma vez que no caso de meus clientes houve uma citação pelo depoente de que ele tinha conhecimento a quem se destinava, agentes públicos, esses repasses. Então, é esse pleito que trago a vossa excelência para apreciação.

Juiz Sergio Moro - Certo, doutor, aí a questão já foi resolvida. Na verdade sob a perspectiva do juízo o crime aqui, lavagem ou etc., se o dinheiro foi entregue ao deputado federal X ou se foi entregue ao deputado federal Y isso não vem à questão pra imputação em relação ao seu cliente. Seu cliente não é nenhum desses agentes públicos que teria resolvido. Então a questão não tem essa relevância toda como está sendo colocado. Por outro lado, embora fosse o desejo do juízo dessas questões pudessem ser tratadas com toda a abertura possível, o fato é que essas questões relativas a agentes públicos está submetido ao Supremo Tribunal Federal. Então é o Supremo Tribunal Federal que cumpre resolver essa questão. Não aqui, nós. Nós já resolvemos essa questão, não cabe voltar novamente. [Continua argumentando nessa direção].

Advogado de Youssef - Na obra de Abreu e Lima, o sr. tinha poder dentro da Petrobras a ponto de favorecer alguma empresa?
Não, eu só falava com o Paulo Roberto Costa, num primeiro momento falava com o José Janene. Depois eu falava com o Paulo Roberto Costa, mas eu era uma peça dessa engrenagem, na verdade tinha gente muito mais acima inclusive do Paulo Roberto que comandava esse assunto.

Inclusive agentes políticos? Não precisa dizer o nome.
Na verdade, todos eram agentes políticos. No sentido de... Que estavam nessa organização.

Quem comandava toda essa sistemática dentro da Petrobras não era nem o sr. Paulo nem você, mas, sim, havia agentes políticos que sabiam de tudo isso e, de uma forma ativa ou omissiva, compactuavam com esse sistema?
Com certeza, e recebia por isso.

Você falou que havia outros operadores, que operavam outra parte desse sistema dentro da Petrobras. Ou seja, você não era, como se está dizendo na mídia, o centro das operações. Esses operadores eram ligados a partidos políticos? Você sabe quem eram esses operadores e a quais partidos eram ligados?
O João Vaccari era ligado ao Partido dos Trabalhadores. O Fernando Soares era ligado ao PMDB –e é ligado ao PMDB.

Nessa mesma linha, o sr. teve reuniões pessoais com o sr. João Vaccari?
Se não me engano, tive uma ou duas

Para tratar de que assunto?
Para tratar desse assunto. Petrobras.

Vocês conversaram, então, sobre esse assunto, e ele tinha ciência do que estava acontecendo?
Com certeza.

Sobre remessas de valores, o sr. disse que não fez remessas de valores para fora, que o sr. está afastado do mercado de câmbio. A sua função, na verdade, não era ocultar dinheiro nem dissimular, o sr. pegava o dinheiro e entregava, simplesmente, aos agentes públicos, agentes políticos e ao Paulo Roberto.
Exatamente.

O sr. deu alguma conta para eles, para esconder esse dinheiro?
Não senhor.

O sr. alguma vez abriu alguma empresa com eles para que eles ficassem como sócios ocultos?
Não senhor.
(...)
Na verdade, quando eu vim do mercado de câmbio aonde eu interrompi essa profissão, fiquei com dinheiro e foi desse dinheiro que eu fiz investimento na GFD.
(...)
Essas reuniões eram feitas às vezes com empresas individualmente, ou às vezes com as empresas junto com o diretor Paulo Roberto [Costa] e o próprio agente político que estava comandando a situação. Para se discutir exatamente questão de valores, questão de quem ia participar do certame, esse tipo de situação. E outros problemas que também se encontravam nas obras que pediam para ser solucionados, esse tipo de assunto. Isso era feito uma ata. Essa reunião participava o agente político, o [João Cláudio] Genu, eu, Paulo Roberto...

Mas era feito uma ata, formal, disso?
Era feita uma ata escrita.

Mas constava esses detalhamentos?
Constava os detalhamentos, vossa excelência. (...)

O sr. disse que ficava muito claro nessas reuniões que as empreiteiras precisavam se submeter ao sistema, sob pena de não participarem.
Na verdade as empresas, principalmente as grandes, ficavam reféns desse esquema porque ou participa ou não tem obra. Nós participávamos de reuniões, no caso ou em hotéis no Rio ou em hotéis em São Paulo, ou na própria casa –vamos falar– do agente político, que primeiramente comandava esse assunto através da área de Abastecimento. E nessas reuniões eram feitas atas de discussão de cada ponto que estava sendo discutido ali naquele dia.

Todo mundo sabia do que estava acontecendo?
Todo mundo sabia do que estava acontecendo.

Um fato que eu gostaria que o sr. esclarecesse. Alguns meses antes de o sr. Paulo Roberto Costa assumir a Diretoria de Abastecimento, foi indicado um outro diretor, que antecedeu ele, e foi retirado de uma forma um tanto pouco ortodoxa do cargo por não concordar em participar desse esquema. O sr. sabe disso?
Não tenho conhecimento deste assunto específico, mas eu tenho conhecimento de que para que Paulo Roberto Costa assumisse a cadeira de diretor da Diretoria de Abastecimento esses agentes políticos trancaram a pauta no Congresso durante 90 dias. Na época o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ficou louco, teve que ceder e realmente empossar o Paulo Roberto Costa.

Juiz Sérgio Moro - Existiam também outras diretorias da Petrobras que operavam com modus operandi semelhante?
Eu acredito que todas.

O sr. poderia mencionar alguns nomes de diretores, até para melhorar a sua colaboração?
Na área Internacional, que eu me lembro, Nestor Corrêa.
[Mais para frente Youssef, citou outros diretores da Petrobras: Zelada (Internacional) e Renato Duque (Serviços)]

Só para esclarecer aqui. O sr. sabe se havia a reprodução desse mesmo esquema nas outras diretorias ou é crença do sr., apenas?
Vossa excelência, eu não operei em outra diretoria. Mas eu sei que existiam os mesmos moldes, em outras diretorias.

Mas sabe por quê?
Eu sei por conta dos próprios empreiteiros, dos próprios operadores, no caso o Fernando Soares, e...

Eles afirmaram, que havia essa reprodução?
Sim, todas as áreas, tanto na área Internacional quanto na área de Serviços.
(...)

Vaccari operava também na diretoria de Abastecimento?
Operava também, operava também.

Esse 1% que o sr. mencionou que ficava a seu cargo a distribuição, o sr. pode me dizer de novo qual que era a divisão dos ganhos dentro desse 1%?
30% era para o dr. Paulo Roberto, 60% era para os agentes públicos, 5% era pra mim, 5% era para o João Cláudio Genu.


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