Folha de S. Paulo


Marina: Candidata por acidente é diferente da que concorreu em 2010

Marina Silva decidiu assumir a candidatura do PSB à Presidência da República um dia depois do acidente que matou seu companheiro de chapa, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, e outras seis pessoas em agosto. Fechada no apartamento que aluga em São Paulo, não queria falar de política. Os assessores mais próximos evitavam fazer perguntas.

Ex-secretário do Meio Ambiente de Pernambuco e amigo da ex-senadora, Sérgio Xavier alcançou-a pelo telefone. "Enquanto estamos sofrendo, tem gente querendo jogar por terra o esforço de Eduardo", afirmou. "Temos que chorar e trabalhar. Você é a nossa alternativa."

A essa altura, o advogado e escritor Antônio Campos, irmão do ex-governador pernambucano, havia divulgado uma carta em que defendia a candidatura de Marina, que se sentiu ali respaldada pela família do aliado.

Juan Osborne
Ilustração feita com as palavras do discurso de Marina na convenção do PSB em junho
Ilustração feita com as palavras do discurso de Marina na convenção do PSB em junho

Ela foi então informada de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinha telefonado para o presidente interino do PSB, Roberto Amaral, e pedido um encontro pessoalmente. Marina concluiu que o PT começava a se mexer para tentar inviabilizar sua candidatura.

Era o que faltava para a ex-senadora decidir. Pediu que o PSB cumprisse as formalidades até o enterro de Campos, no domingo, 17 de agosto, mas deixou os aliados à vontade para as articulações em seu nome.

Ao chegar para o funeral no Cemitério Santo Amaro, no Recife, Marina foi recebida com gritos de milhares de pessoas que tentavam tocá-la enquanto jogavam pétalas de rosas sobre sua cabeça. Com a bandeira do Brasil enrolada nas mãos, apenas agradeceu em silêncio.

Cinco dias após o acidente, ao conhecer os números da pesquisa Datafolha que primeiro avaliou o impacto de sua entrada na corrida presidencial, a ex-senadora confidenciou a amigos que encontrara a motivação necessária para assumir a cabeça de chapa. Três dias depois, lançou a candidatura em Brasília.

A trajetória de Marina nas semanas seguintes exibiu diferentes facetas de sua personalidade. O otimismo com que entrou na disputa fez ela se despir logo da imagem um tanto messiânica, quase de santa, que assumiu em público nos primeiros dias depois da morte de Campos.

Ao posar para fotos antes de um dos primeiros debates entre os presidenciáveis, carregava um semblante mais sisudo. "O país está em recessão. Quem vai ganhar as eleições precisa estar com a cara séria", explicou, quando ouviu sugestões para sorrir diante das câmeras.

As pesquisas indicam que Marina é a única candidata com força para derrotar Dilma Rousseff (PT) no segundo turno, mas também mostram que parte da simpatia que atraiu no momento logo após o acidente em Santos (SP) evaporou quando seus adversários passaram a atacá-la.

Dilma e o tucano Aécio Neves lançaram dúvidas sobre seu programa de governo e sua capacidade de governar e fazer alianças com os partidos que dominam o Congresso. Os petistas a acusaram de querer entregar o comando da economia aos bancos e desprezar as riquezas prometidas pelo petróleo do pré-sal.

Os ataques do PT, partido ao qual Marina foi filiada por 24 anos, fizeram-na imprimir tom mais emocional ao seu discurso. Depois de quase duas semanas sob críticas de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela desabafou com um aliado e disse ter medo de chegar ao fim da campanha política com a sensação de que "tudo isso não tenha valido de nada".

Marina continuou perdendo votos, mas os estrategistas de sua campanha acreditam que ela conseguiu preservar quase intacta a imagem que a ajudou a conquistar a simpatia do eleitorado desde a campanha presidencial de 2010 –a filha de seringueiros que foi empregada doméstica e venceu a pobreza e o analfabetismo antes de chegar à política.

A Marina que disputa as eleições deste ano é diferente da que concorreu em 2010. A linguagem de seus discursos é mais objetiva. O ambientalismo é apenas parte discreta da pregação agora. Setores empresariais refratários às suas ideias, como o agronegócio, passaram a ser tratados com maior deferência.

Marina teve quase 20 milhões de votos nas eleições de 2010, quando disputou a Presidência pelo Partido Verde, ao qual se filiou após se demitir do cargo de ministra do Meio Ambiente de Lula e romper com o PT. Encerrada a eleição, desentendeu-se com os verdes e deixou o PV.

A aliança com Eduardo Campos e a entrada no PSB resultaram do fracasso da tentativa de criar um novo partido político, a Rede Sustentabilidade. Barrada pela Justiça Eleitoral por não ter alcançado o número necessário de assinaturas para a criação da sigla, Marina colocou-se como vice de Campos e logo se revelou uma aliada inquieta.

Criticou publicamente os acordos feitos pelo companheiro de chapa para fortalecer sua candidatura presidencial em alguns Estados, como São Paulo, onde o PSB apoia a reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB). Na última semana, a ex-senadora autorizou a impressão de santinhos com sua imagem ao lado do tucano.

Parece claro que Marina quer deixar uma marca com a campanha eleitoral deste ano. Há alguns dias, ouviu do ex-deputado Maurício Rands, um dos coordenadores de seu programa de governo, o prognóstico de uma possível vitória eleitoral. "Você tem ideia de que será a primeira mulher negra eleita presidente do Brasil?", perguntou o colaborador. Marina corrigiu: "Negra e seringueira".

TRAJETÓRIA

Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima

Nascimento: 8 de fevereiro de 1958, no seringal Bagaço, a 70 km de Rio Branco (AC)

ANOS 1960 Vive com a família num seringal e tem o sangue contaminado por mercúrio por causa de medicamento usado para tratar uma leishmaniose. Também contrai malária e hepatite

ANOS 1970 Fixa-se, em 1974, em Rio Branco para tratar da saúde e tentar ser freira. Trabalha como empregada doméstica e se alfabetiza pelo Mobral. Em 1976, conhece Chico Mendes

ANOS 1980 Após os supletivos de 1º e 2º graus, passa no vestibular para o curso de história na Universidade Federal do Acre. Filia-se ao PT e, em 1988, é eleita vereadora em Rio Branco

ANOS 1990 Em 1990, é eleita deputada estadual no Acre. Em 1994, conquista vaga no Senado Federal. Em 1997, troca o catolicismo pela Assembleia de Deus

ANOS 2000 Em 2002, é reeleita senadora. Em 2003, torna-se ministra do Meio Ambiente do governo Lula. Tem embates com a ministra Dilma Rousseff. Em 2009, deixa o PT

ANOS 2010 Concorre à Presidência pelo PV em 2010. Em 2013, tenta criar a Rede Sustentabilidade. Com a morte do aliado Eduardo Campos, encabeça chapa do PSB ao Planalto

AÇÚCAR

Marina perdeu 3 kg desde que assumiu a cabeça da chapa à Presidência. Alérgica a diversos alimentos, encontra o prazer do açúcar no biju, biscoito feito sem manteiga que devora em velocidade assustadora

FONO

Com agenda intensa, Marina ficou afônica e foi aconselhada por assessores a diminuir seu ritmo. Recusou-se. No lugar, pediu a ajuda de uma fonoaudióloga para exercitar as cordas vocais

MEDO

Desde a morte de Eduardo Campos, amigos repetem para Marina teses sobre a baixa probabilidade de um avião cair. Um assessor deu de presente à candidata um livro sobre estatísticas que ela carrega em todos os voos

BETERRABA

Marina encontrou uma linha importada de produtos de beleza que supre suas necessidades de pele sensível. Apenas o batom não foi compatível devido às suas alergias. Ela mesma inventou uma essência de beterraba que utiliza nos lábios

REVELAÇÃO

Uma católica que quase se tornou freira, Marina diz ter tido a epifania que a levaria a se tornar evangélica após um sofrer um problema de saúde, em 1997


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