Folha de S. Paulo


Dados sobre redução da pobreza podem estar 'distorcidos', diz TCU

O TCU (Tribunal de Contas da União) colocou sob suspeita um dos números mais caros à campanha da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição: o da redução de pobres no país, dizendo que esses dados podem estar "distorcidos".

Segundo o órgão, que aprovou nesta quarta-feira (10) uma auditoria feita ao longo deste ano sobre programas de assistência social do governo, há uma defasagem no valor das linhas que separam miseráveis e pobres da classe média, devido ao aumento da inflação e do dólar nos últimos anos. Quem é classificado como pobre ou miserável passa a ter direito ao Bolsa Família, um dos benefícios sociais pagos pelo governo.

O governo reajustou em maio de 2014 a linha da miséria de R$ 70 para R$ 77 per capita e da pobreza de R$ 140 para R$ 154. Mas, pelo valor de referência internacional que baseou a implantação do Bolsa Família, essa linha deveria estar em R$ 100 (miséria) e R$ 200 (pobreza), segundo a análise do tribunal.

"Convém recalcular esses indicadores", afirmou o responsável pelo processo, ministro do TCU Augusto Sherman.

De acordo com o relatório do órgão de controle, "não é difícil perceber, portanto, que os indicadores relativos ao alívio da pobreza podem estar distorcidos".

O TCU, no entanto, se isenta de calcular quantos pobres a mais haveria com o uso da nova linha ou quanto o governo gastaria a mais para retirar esse novo contingente da pobreza.

Edson Silva-25.ago.2011/Folhapress
TCU aponta defasagem de dados usados para determinar quem tem direito ao benefício
TCU aponta defasagem de dados usados para determinar quem tem direito ao benefício

O governo vem dizendo que tirou 36 milhões da pobreza com seus programas assistenciais, sendo 22 milhões apenas na atual gestão, e usa essa bandeira na campanha eleitoral. Os adversários da presidente Dilma contestam os números.

Em maio deste ano, ao defender o reajuste da linha da pobreza em 10%, a Ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, classificou como "levianos" e "irresponsáveis" integrantes da oposição de defenderam que o aumento do Bolsa Família deveria ser ainda maior. Segundo ela disse à época, os benefícios do programa não podem ser atrelados ao câmbio.

O ministro Augusto Sherman reconheceu que as políticas sociais do país têm sido classificadas como exemplares por órgãos internacionais e que ajudaram o país avançar nas classificações de desenvolvimento humano e elogiou as ações do ministério do Desenvolvimento Social.

Mas, segundo ele, os problemas apontados pela auditoria sobre os programas sociais têm como intenção ajudar a melhorar os índices já alcançados. Ele encaminhou recomendações ao governo para melhorar os indicadores dos programas sociais, além de trabalhar para criar ações de "porta de saída" para o beneficiários.

FALHAS

A análise do TCU abarcou todos os programas de assistência social do governo e apontou falhas que levam à ineficiência do sistema de assistência social como um todo. Uma das crítica dos auditores é à "inexistência de indicadores de porta de saída do Bolsa Família".

Isso não significa contudo que não existam ações do governo nesse sentido. Mas, segundo os auditores, não há metas específicas e nem medições para saber se elas estão sendo cumpridas.

Outra preocupação dos auditores foi com a falta de fiscalização sobre o maior gasto de assistência social do governo, o BPC (Benefício de Prestação Continuada). Esse pagamento é determinado pela Constituição e deve ser feito a idosos ou deficientes que comprovem a renda inferior a um quarto de salário mínimo.

O benefício de um salário mínimo é pago a quem se enquadra nessa situação. Mas a lei determina que ele tem que ser revisto a cada dois anos. Segundo a auditoria, o governo não está fazendo essas revisões o que vem aumentando o número de beneficiários do BPC e também seus custos.

Os auditores também apontaram que falta de qualidade nos Centros de Assistência Social para identificar e ajudar a reduzir a pobreza.

NÚMEROS GIGANTES

O relatório aponta que o país tem 18 milhões de beneficiários desses dois programas (Bolsa Família e BPC). Se incluídas os familiares dos beneficiários, um de cada quatro brasileiros já recebem benefícios da assistência social. No Maranhão, por exemplo, só o Bolsa Família atinge 51% da população. Outros sete estados da federação têm entre 40% e 50% da população recebendo Bolsa Família.

Os gastos com assistência social cresceram 1.220% em 12 anos e já representam 7% dos gastos do governo, se excluído o pagamento de encargos (juros, transferências, entre outros). Em 2013, o valor atingiu R$ 62 bilhões.

O Bolsa Família e o BPC passaram de um valor de R$ 7 bilhões em 2003 para R$ 53 bilhões em 2013 (sendo R$ 31,3 bilhões em BPC e R$ 22 bilhões em Bolsa Família).

O crescimento dos gastos de assistência social a uma taxa de mais de 25% ao ano preocupa o órgão de controle quanto à sustentabilidade fiscal desse gasto.

Segundo o relatório, mantido o quadro atual, 3,8 milhões de beneficiários com entre 50 anos e 64 anos vão sair direto do Bolsa Família para o BPC nos próximos 15 anos, mantidas as atuais condições.

A pressão por mais entrada também vem do Judiciário. Segundo o relatório, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou recentemente uma ação em que decidiu que governo não pode usar como critério para não conceder o BPC a pessoa ter renda inferior a 1/4 de um salário mínimo.

Segundo o relatório, isso pressionou o Congresso a fazer projetos de lei que aumentam o valor do corte de renda para até meio salário mínimo. Se o critério subir para meio salário, o governo teria um gasto a mais de R$ 14 bilhões ao ano.

OUTRO LADO

O TCU já submeteu o relatório prévio da auditoria ao Ministério do Desenvolvimento Social. O órgão defendeu os gastos de assistência social dizendo que "estudos demonstram que gastos de 0,5% do PIB com programas não contributivos de transferência para famílias com membros em idade ativa, em situação de pobreza, são comuns em estados de bem estar social minimamente desenvolvidos, e que diversos outros países de renda média que adotaram programas de transferência de renda têm gastos em nível semelhante ao brasileiro, ou mesmo superiores".

A Folha pediu um posicionamento do ministério do Desenvolvimento Social sobre as críticas do TCU, mas ainda não obteve resposta.


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