Folha de S. Paulo


Em depoimento, coronel confirma ter havido de 'castigo físico' na ditadura

Em depoimento realizado nesta terça-feira (9) à Comissão Nacional da Verdade, o coronel da reserva Pedro Ivo Moezia confirmou a existência de "castigo físico" contra esquerdistas realizada pela Polícia Civil de São Paulo durante a ditadura militar (1964-1985).

O coronel também afirmou haver uma estrutura paralela dentro das Forças Armadas para obter informações de organizações armadas de esquerda durante o regime – sem especificar sua forma de funcionamento. Moezia negou, no entanto, a existência de sessões de tortura no Doi-Codi de São Paulo, um dos principais centros de repressão à esquerda armada no regime militar.

"Diziam vamos trabalhar o preso, nisso você pode imaginar um monte de coisa. [...] Ninguém desconhece que o método da polícia sempre foi esse: o do castigo físico", disse. "Institucionalmente não havia a tortura, mas só um idiota imagina que não exista. No Doi eu nunca presenciei", afirmou.

Chefe da equipe de interrogatório e depois da área administrativa do Doi-Codi, Moezia foi subordinado do general reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra no aparato de combate a militantes esquerdistas em São Paulo entre 1970 a 1974.

No período, pelo menos 60 militantes de esquerda perderam a vida pela atuação do órgão. Centenas foram submetidas à tortura, de acordo com depoimentos. Moezia esteve no Doi-Codi, sob o comando de Ustra, entre o final de 1970 até meados de 1972. "Existem métodos mais persuasivos do que bater. Ninguém morreu ou foi assassinado no Doi-Codi enquanto estive lá. Houve, sim, morte por acidente, como ataque cardiaco".

Moezia defendeu Ustra, a quem definiu como "maior herói do Exército" e um "injustiçado" que "devia obediência a superiores". Segundo ele, o Exército leva "mais fama do que cama".

Apesar de negar a existência de tortura no Doi-Codi, o coronel defendeu o castigo físico como forma de obter informações "para preservar a vida humana". "Você me pergunta se esta certo impor sofrimento físico a alguém para que ele confesse um crime? Eu acho que está certo. Eu apoio que imponha o sofrimento físico para preservar a vida humana", afirmou Moezia.

Moezia afirmou ter "orgulho" de sua participação na ditadura e disse não ter "arrependimentos" pelo trabalho no Doi-Codi de São Paulo no início dos anos 70.

Na avaliação do coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, é importante "o reconhecimento de que havia uma estrutura paralela voltada a pratica de graves violações aos direitos humanos". "Já havíamos registrado a pratica de tortura na Polícia Civil", disse.

"Há pessoas com mãos sujas de sangue e outros não. Ele aparentemente não tem. Já o Ustra, por exemplo, sim. Há quadros que sabiam da existência da tortura, se beneficiavam dela, mas não participavam", afirmou Dallari.


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