Folha de S. Paulo


Análise: Sucessão passa por 'Marina week'; Dilma e Aécio ficam atônitos

O debate entre candidatos a presidente promovido na noite de terça-feira (26) e início da madrugada desta quarta-feira (27) pela TV Bandeirantes mostrou dois ex-favoritos absolutos atônitos, sem saber reagir, e uma nova postulante surfando com sua alta nas pesquisas de intenção de voto.

"É a Marina week", foi a frase ouvida algumas vezes no auditório da Band nos intervalos do debate.

É uma referência ao fato de Marina Silva aproveitar seu melhor momento depois de entrar oficialmente na corrida sucessória há menos de duas semanas, após da morte de Eduardo Campos , que era o candidato a presidente pelo PSB.

Marina permaneceu a maior parte do debate mostrando estar mais à vontade e tranquila do que Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). A candidata do PSB começou cobrando da petista o resultado dos pactos propostos pelo Palácio do Planalto pós-junho de 2013 –e que não deram certo. A pergunta (objetiva, dura e afirmativa) marcou mais do que a resposta (com raciocínio helicoidal e inconclusivo da presidente).

As estratégias políticas dos três principais postulantes ficaram claras no debate da Band.

Marina foi ao encontro disposta a reafirmar seu conceito (muitas vezes vago) de nova política. Dilma continua a repetir que seu governo fez e faz muitas obras e que a economia não cresce mais por causa da "crise internacional". E Aécio segue desejando ser uma espécie de transição segura entre um governo do PT para outro do PSDB. Só que abraçou imagens que não trazem votos, como a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Robustecida pela divulgação da pesquisa Ibope, que a coloca como vencedora num eventual segundo turno, Marina se sentia desobrigada no debate da Band a explicar como fará para ter maioria dentro do Congresso e governar o país.

A pessebista chegou a dizer que pretende fazer um governo para unir o Brasil, e não uma política desagregadora como a protagonizada por PT e PSDB, cuja polarização "já deu o que tinha que dar".

É um truque retórico. A ex-senadora se aproveita do senso comum (errado) sobre tudo ser possível para os que têm "vontade política". Quem passa uma semana em Brasília sabe que as coisas não funcionam assim. Para sorte de Marina, menos de 2% dos 142 milhões de eleitores brasileiros vivem na capital da República.

Quando foi forçada a dizer como faria uma "nova política" tendo Neca Setubal (da família dos acionistas do Banco Itaú) como conselheira, Marina rebateu dizendo que considera errada a noção de elite usada por seus adversários. Disse que Neca é uma experiente educadora e por essa razão é da elite. Assim como o líder seringueiro Chico Mendes (morto em 1988) também foi da elite por causa das ideias que representava.

Se essa resposta foi boa e aceitável, os eleitores vão opinar nas próximas pesquisas. Mas essa fórmula tem dado certo para Marina desde 2010. É um discurso falado em "marinês" que encanta os seguidores da candidata do PSB.

Em resumo, a pegada política de Marina é por menos beligerância na política e mais união para construir um país equilibrado. Ela não explica como fará para compor com mais de 20 partidos representados no Congresso, todos sedentos por verbas e cargos. Apenas surfa num desejo difuso dos eleitores por uma mudança nas figuras tradicionais de Brasília que frequentam os telejornais todas as noites.

Eleição, como se sabe, às vezes se ganha vendendo esperança e emoção. Se no governo não der certo, é outra história.

SEM REAÇÃO

Essa fala de tom melífluo de Marina deixou Dilma e Aécio sem respostas convincentes no debate da Band. A petista ficava repetindo uma lista de obras executadas pelo país e como conseguiu fazer para que os brasileiros pudessem desfrutar de quase pleno emprego. Ocorre que ninguém parece estar interessando no que já tem. O site do PT na campanha, o Muda Mais, insistia em focar na realidade na manhã desta quarta-feira, com o seguinte destaque sobre o encontro entre presidenciáveis: "Dilma no debate da Band: resultados de uma gestão eficiente e propostas concretas para o futuro". Não entenderam que o eleitor parece estar ansiando por emoção e menos realidade, como em quase todas as eleições.

Um sinal de como o PT está atordoado foi visto em outro movimento na manhã de hoje na internet, em redes sociais. "Dormi seringueiro - acordei das elite" (sic) era uma das frases divulgadas de maneira viral sobre uma foto de Chico Mendes. Outra: "Blablarina, só queria te avisar: eu fui tudo, menos elite". Mais uma: "Eu? Elite? Não Marina, a elite foi quem me matou".

É evidente que Marina usou a expressão "elite" como metáfora para conferir a Chico Mendes uma posição que ele de fato não desfrutava na sociedade à época em que morreu –mas que certamente sua memória incorporou nos anos seguintes. Se o comando do PT e a campanha de Dilma não entendem esse jogo de palavras, não vão compreender nunca a razão pela qual a candidata do PSB está em alta nas pesquisas.

Aécio Neves teve um comportamento correto dentro de sua estratégia. Seu problema é que até agora quase nada funcionou para ele nesta eleição. Ele é o tucano com pior desempenho numa campanha presidencial num final de agosto desde 1994.

O epítome da incompreensão de Aécio a respeito do seu mau momento foi quando já na fase final do debate, ele "revelou" que seu ministro da Fazenda, caso seja eleito presidente, será Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Quantos votos de Dilma ou de Marina o tucano Aécio subtraiu ao anunciar o nome de Armínio Fraga? Possivelmente, nenhum. Na elite -para usar a expressão muito citada no debate– essa indicação nunca foi segredo. Entre os eleitores de renda média ou baixa, falar de Armínio Fraga na Fazenda é o equivalente a um candidato dizer que vai sugerir Kevin Spacey para ser o astro da próxima novela da TV Globo –exceto os abastados que assistem a "House of Cards" no Netflix, ninguém no Brasil sabe quem é Kevin Spacey.

A chance de Aécio desempacar depende de dois fatores, ambos intangíveis no momento. Primeiro, o tucano precisa torcer para Marina cometer um erro grave (como Ciro Gomes em 2002, dizendo que Patrícia Pilar na campanha tinha a função de dormir com ele). É possível que isso ocorra? Parece pouco provável que a candidata do PSB, depois de 16 anos no Senado, cometa uma impropriedade verbal dessa natureza.

A segunda torcida de Aécio é que os eleitores comecem a enxergá-lo como novo e moderno quando ele fala que deseja ter um "papo reto" com os brasileiros. Para um político que até seis meses atrás não participava de nenhuma rede social, não é uma tarefa fácil, além de parecer sempre algo postiço.

Para sorte do PSDB e do PT, esta "Marina week" terminará quando os jornais, rádios, internet e TVs repercutirem a pesquisa Datafolha de sexta-feira (29). O problema é que se a candidata do PSB voltar a registrar uma alta em sua intenção de votos, a "semana Marina" pode ir se prolongando até o dia da eleição, em 5 de outubro.

Editoria de Arte/Folhapress

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