Folha de S. Paulo


Sem militares, CNV faz audiência sobre a Guerrilha do Araguaia

A audiência pública sobre a Guerrilha do Araguaia (1972-74) realizada nesta terça-feira (12), em Brasília, pela Comissão Nacional da Verdade foi marcada pela ausência de militares convocados, como o coronel reformado Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, um dos chefes da repressão aos esquerdistas no combate.

Curió avisou que estava internado por problemas de saúde e não poderia comparecer. Havia a possibilidade dele ser ouvido no Hospital das Forças Armadas da capital federal nesta terça, mas esta opção foi descartada pela Comissão. Outros três militares – Leo Frederico Cinelli, Thaumaturgo Sotero Vaz e José Conegundes do Nascimento - também não respeitaram a convocação da Comissão Nacional da Verdade.

O coordenador da Comissão, Pedro Dallari, afirmou que estuda requisitar à Polícia Federal a condução coercitiva de militares para depoimentos. "Vou usar, mas no último limite – já que não é confortável para ninguém. Antes eu quero esgotar todas as possibilidades. Tomo muito cuidado para não ter uma postura odiosa". Na opinião de Dallari, a ausência dos militares em audiências públicas da Comissão já afeta a imagem das Forças Armadas.

CRÍTICAS

Apesar de tratar sobre um dos mais importantes capítulos da resistência a ditadura militar (1964-1985), a audiência não revelou, até início da tarde, novidades sobre o episódio de perseguição a militantes esquerdistas.

Todavia, colheu depoimentos de presos políticos que afirmam ter sofrido torturas nos quartéis após serem presos na Guerrilha. Criméia Schmidt de Almeida contou que sofreu torturas físicas, grávida de sete meses. "Depois que o meu filho nasceu usaram ele para me torturar. Sumiam com ele por três dias. Com um mês ele pesava 2,7 kg", disse.

Criméia detalhou torturas psicológicas, como demonstrações por dias seguidos de imagens de colegas mortos da Guerrilha. Eram as chamadas "salas de cinema".

Danilo Carneiro, ex-guerrilheiro que também denunciou tortura na audiência pública, aproveitou o depoimento para criticar, entre outras coisas, os trabalhos do colegiado. Para ele, a Comissão Nacional da Verdade "é uma farsa" e não chegará a um resultado satisfatório.

ÁUDIOS

Durante a audiência foram transmitidos três áudios de militares da reserva que atuaram no combate aos guerrilheiros do PCdoB.

Além do depoimento do general reformado Nilton Cerqueira, antecipado nesta terça-feira pela coluna Painel da Folha, foram transmitidos outros dois. Os depoimentos somam provas já conhecidas de que o Exército executou presos políticos no combate.

Cerqueira, que atuou na fase final do conflito, falou ao órgão em novembro passado. Questionado sobre combatentes que foram capturados com vida e desapareceram, afirmou: "Prender os terroristas não era uma opção".

Um segundo áudio transmitido foi o do sargento João Santa Cruz. Além de reconhecer a atuação na Guerrilha do Araguaia e participação nas prisões de militantes esquerdistas, Santa Cruz afirmou que eles eram mortos após as prisões. Segundo ele, o "único [que tem a] chave disso é o [Major Sebastião] Curió. Ele tinha acesso de tudo. Nós não tínhamos."

A voz do general Álvaro de Souza, que também depôs à Comissão, também foi ouvida após em áudio transmitido durante a audiência. Ele disse que os militantes não eram trancados em algum lugar. Souza mostrou orgulho de ter participado do combate aos guerrilheiros. "Eu não sei se vocês tem conhecimento de combate de selvas [...]. Não existe tiro pra ferir. Isso é uma coisa maravilhosa. Fico feliz de ter [tido] essa oportunidade", disse.

No fim da audiência pública, integrantes da Comissão defenderam o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 2010. Na ocasião, o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de guerrilheiros no confronto e Estado obrigado a identificar e punir os responsáveis pelas mortes.

"O Estado brasileiro tem que cumprir a a sentença, não tem conversa. Ele reconhece a jurisdição, mas não cumpre a decisão", afirmou Paulo Sérgio Pinheiro. "A pior violência que o Estado pode cometer é o desaparecimento. É o sadismo no seu grau mais perverso", disse Maria Rita Kehl.

HISTÓRICO

Implantada pelo PCdoB, a guerrilha do Araguaia tinha o objetivo de formar, com a infiltração gradual de militantes armados e integrados à comunidade local, uma área militarizada na região que hoje abrange o norte do Tocantins e o sudeste do Pará.

O plano foi descoberto e a guerrilha foi dizimada pelo Exército em três operações entre 1972 e 1974.

A Comissão Nacional da Verdade promete trazer um capítulo sobre o a Guerrilha do Araguaia no relatório final que deve ser divulgado em 10 de dezembro deste ano.


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