Folha de S. Paulo


Análise: Ao menos fora de campo, Brasil ganhou a Copa

Pelo menos fora de campo, o Brasil ganhou a Copa do Mundo. Para nós, estrangeiros, tudo parece ter funcionado muito bem.

Os estádios foram perfeitos e não desabaram (se bem que uma passarela no Maracanã quase desmoronou antes de Argentina x Bósnia), os aeroportos deram conta e o trânsito não foi péssimo, mesmo que o Brasil tenha tido que fechar escolas e universidades e decretar feriados para que isso fosse possível.

Em suma, a organização foi ótima. Mas essa é a parte fácil. Já assisti a sete Copas, seis Eurocopas e uma Olimpíada, e, nos últimos tempos, a organização sempre é boa.

Daniel Marenco/Folhapress
Torcedores assistem ao jogo das oitavas de final entre Argentina e Suíça, em telão na praia de Copacabana
Torcedores assistem ao jogo das oitavas de final entre Argentina e Suíça, em telão na praia de Copacabana

A Fifa sabe organizar Copas. Ela tem um roteiro. Se o país anfitrião o segue mais ou menos, as coisas funcionam.

Uma Copa do Mundo é um evento enorme apenas na TV: a Copa do Brasil será o evento de maior audiência da história. Mas a presença física do torneio é mais modesta.

Os espectadores foram brasileiros, em sua imensa maioria. Apenas cerca de 700 mil estrangeiros vieram, pouco mais que a média mensal normal. Como disse o governo, o movimento nos aeroportos foi menor do que no Natal.

A polícia lotou áreas turísticas para proteger a nós, estrangeiros. Tudo transcorreu razoavelmente sob controle.

Estádios também são mais ou menos fáceis de construir hoje em dia. Os daqui se parecem muito com os da Alemanha em 2006 ou os da África do Sul em 2010. Ninguém vai a uma Copa para curtir os estádios, de qualquer forma.

Portanto, a boa organização não é algo que, de repente, indique que o Brasil seja um país desenvolvido e maravilhosamente administrado.

Não. O que fez desta Copa a melhor à qual já assisti foi o ambiente. Sei que os brasileiros estão fartos dos chavões estrangeiros sobre sol, areia e samba. Mas procurem, por favor, entender o efeito de Copacabana sobre um cidadão do norte da Europa.

Alguns dos meus melhores momentos aqui foram as caminhadas que fiz descalço à beira-mar no Rio, em Fortaleza e em Salvador. Desconfio que muitos torcedores estrangeiros sintam o mesmo.

O outro elemento fundamental do ambiente: os brasileiros. Já fui a Copas bem organizadas como a dos EUA em 1994 e a do Japão em 2002, quando a maioria dos habitantes locais nem sabia que estava ocorrendo um Mundial.

Os brasileiros viveram a Copa. E quase todo mundo que conheci aqui me tratou com simpatia. Essa atitude amistosa é um trunfo nacional.

Na noite do 7 a 1 caminhei pelos Jardins, e, em vez de protestos, vi muitos brasileiros gargalhando. A maioria de vocês reagiu à humilhação com dignidade. Nós, visitantes, pudemos ter um vislumbre do Brasil, ainda tão pouco conhecido no exterior.

Não haverá legado econômico. Quase todos os economistas acadêmicos concordam: sediar uma Copa não enriquece o país anfitrião.

A boa imagem conquistada pelo Brasil neste mês não vai se traduzir em mais turismo ou investimentos estrangeiros no futuro. Fora de campo, o Brasil viveu uma boa Copa. Essa é uma recompensa por si só. Desfrutem dela.

SIMON KUPER é colunista do "Financial Times", onde trabalha desde 1994. É autor de diversos livros sobre futebol, incluindo "Soccernomics" (2009), escrito em parceria com Stefan Szymanski

Tradução de Clara Allain


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